João Amílcar Salgado

quarta-feira, 27 de março de 2013


RACISMO E NEONAZISMO NA UFMG
João Amílcar Salgado
O episódio ao mesmo tempo racista e neonazista protagonizado agora por estudantes do curso de direito da UFMG, seguido de ofensa racista de professor da mesma universidade a aluno adolescente, os quais foram precedidos, no ano passado, pela pichação da frase “A UFMG vai ficar preta”, a propósito das cotas para negros - mostram claramente  que os autores desses atos estão sendo jogados nos braços da extrema-direita.  O principal motor desse perverso desvio político é sem dúvida o martelar doutrinário exercido por forte setor da mídia. Os consumidores dessa mídia são não apenas os universitários, mas seus pais e membros de seu ambiente familiar e social.  A doutrinação racista e neonazista é feita por doutrinadores que, com rapidez, estão aprendendo a manejar a capacidade tsunâmica das redes coletivas da internete.  Silenciar a mídia seria erro maior, daí que a providência mais eficaz será usar meios inteligentes contrários ao desvio ameaçador. 
Acontece que o ensino superior brasileiro está acometido de mediocridade endêmica, associada a burrice epidêmica.  Há quatro décadas, as universidades públicas brasileiras, federais e estaduais, estão-se mostrando subservientes a agressivo assédio tanto governamental  como empresarial.  O resultado evidente desse assédio é o nivelamento  por baixo de tudo o que foi, a custo, conquistado por universidades, faculdades e institutos sérios. A ditadura da QUANTIDADE SOBRE A QUALIDADE, para efeito de exibição internacional, e a ditadura da UNIFORMIDADE SOBRE A CRIATIVIDADE, causaram, a curto prazo, a completa perda de identidade de reconhecidas instituições.
Isso chega ao cúmulo de os mercantilistas do ensino superior decretarem o fim do modelo humboldtiano de universidade, o que, traduzido, significa o abandono da AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA e do ideal da INTEGRAÇÃO ENSINO-PESQUISA.  Apregoam que, já nos dias atuais, essas conquistas não são conquistas coisa nenhuma e devem ser consideradas ultrapassadamente ridículas.  O objetivo é claro: as instituições até aqui tão respeitáveis devem ser degradadas à mera condição de  fornecedoras de recursos humanos SEMI-ACABADOS,  para que sejam ACABADOS nos estágios de treinamento da indústria, tanto privada como estatal.  E o pouco da pesquisa ainda em andamento deverá ser subsidiária dos milionários departamentos de pesquisa dessas mesmas indústrias, sendo por eles financiada, orientada e selecionada. O dinheiro farto de tais departamentos tem irresistível poder para amolecer dirigentes e pesquisadores. Muitos destes, cujo número cresce a cada dia, se mostram felizes com a nova situação e ficam indignados quando alguém insinua que se deixaram corromper.
Espero que os episódios citados despertem uma massa crítica de líderes lúcidos. Se ainda existem e se resistirem a não se vender, que se mexam e consigam tranquilizar-nos, apontando alguma evidencia de que ainda há vida inteligente em nossas queridas e verdadeiras universidades. 

domingo, 6 de janeiro de 2013


CAMILO ASSIS FONSECA
 O decano dos ecologistas mineiros

João Amílcar Salgado

            No dia 25/09/92 a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais  e o Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais prestaram homenagem ao professor Camilo de Assis Fonseca Filho, a propósito da Semana da Árvore.  Constou de bela solenidade em que o homenageado plantou três buritis em frente à Faculdade, ao som do Hino Nacional executado em solo de flauta pelo estudante de medicina Walker M. Lahmann.  O plantio foi acolitado pelo professor Ênio Pedroso, diretor da Faculdade, e é resultado de sugestão antiga do professor Oswaldo Costa, outro pioneiro da preservação natural dos gerais.
            O professor Camilo de Assis Fonseca Filho, nascido em Formiga e agrônomo pela gloriosa Universidade Federal de Viçosa, veio a se consagrar como o decano dos ecologistas mineiros, por ser o brasileiro que mais árvores plantou em uma vida.  Combativo defensor da flora nativa, arborizador amazônico sobre minérios, ajardinador de nossas ruas e campi, atapetador dos grandes estádios brasileiros de futebol, original em metodologia de florestamento - foi requisitado pelo Centro de Memória, por seu enciclopédico domínio sobre o uso medicinal das plantas brasileiras.
            Sobre a arborização de nossas ruas, Camilo Fonseca se fez irresistível pedagogo com esta inesquecível lição: As cidades não arborizam todas as suas ruas, com a desculpa de que não é possível arborizar rua estreita – e eu respondo que o hibisco é perfeito para rua estreita e, assim,  qualquer cidade pode ter todas as suas ruas arborizadas e floridas. Sobre plantas medicinais, ele é autor desta verdade irrevogável: Os antigos transmitiram a idéia de que só são medicinais as plantas pequenas (ervas e arbustos). Ora, essa idéia era própria para o uso prático nas condições precárias de antigamente. Mas a verdade é que qualquer planta é medicinal, desde a menor erva até a árvore mais gigantesca. Cabe à ciência descobrir sua virtude e seu uso.
            Por causa da 2a Guerra Mundial, foi vedada a importação de madeira estrangeira e Camilo Fonseca Fo se celebrizou ao indicar madeiras brasileiras próprias à confecção de nossos lápis, uma de suas muitas maneiras de ser educador. Correspondeu e trocou sementes com o negus Salassiê da Etiópia, também ilustre botânico, permitindo que árvores africanas sejam admiradas no Horto, em Belo Horizonte, ao lado de plantas de cada paisagem do Brasil – todas pacientemente cultivadas pelo extraordinário sábio formiguense.  
            Em 1989, em comemoração ao Bicentenário da Inconfidência, foi convidado a indicar as plantas que hoje compõem o Horto Medicinal Frei Veloso, inaugurado junto à Biblioteca Baeta Vianna, em lembrança de nosso primeiro botânico, primo de Tiradentes.  Ao mesmo tempo, o Horto Frei Veloso deve contribuir à reabilitação histórica dos hortos medicinais intrínsecos às primeiras escolas médicas, fonte de toda a farmacoterapia atual.
            O plantio dos buritis fez parte também do curso sobre plantas de importância terapêutica, ministrado pelo mestre Camilo por meio de caminhadas ecológicas em diversos sítios, segundo a variedade da flora regional.  Os ensinamentos, gravados em vídeo, serão utilizados em múltiplos desdobramentos, quer do ponto de vista de preservação de espécies e usos, quer para o ensino e a pesquisa.
            O buriti é o traço que une a ecologia, a memória da medicina e Guimarães Rosa.  Foi este ex-aluno da Faculdade, que, em seu harmonioso leque de tematizações, profeticamente reservou para título da maior de suas obras nada mais nada menos que os contra-polos de fantástico e real eco-sistema - o sertão e suas veredas.  Por isso mesmo uma das magistrais lições peripatéticas do professor Camilo não poderia deixar de ocorrer nos arredores de Maquiné, onde as filmagens flagraram a reunião histórica de personagens afins e irmãos, simbólicos e vivos: Manuelzão, Juca Bananeira, Maria de Lourdes Rocha Correa e Camilo de Assis Fonseca Filho.
            Por ocasião de sua aposentadoria, em vez de glorificado por tantas realizações, este extraordinário brasileiro e autêntico mineiro foi vítima de injustiça inominável perpetrada por gente indigna que, estribada em soberba mesquinharia, agiu para impedi-lo de freqüentar sequer o horto e as estufas (Museu de História Natural) co-edificados por ele.  O nome desses infelizes deficientes morais hoje jaz no lixo da memória da instituição, enquanto o de mestre Camilo rebrilha, com ternura e com carinho, no coração de inumeráveis discípulos e admiradores.
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O autor é professor titular de Clínica Médica e  pesquisador em  História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012


JOSÉ MARIA PIRES
O mineiro contra-estamentário por excelência
João Amílcar Salgado















José Maria Pires é um mineiro que procura mas não consegue disfarçar seu orgulho de originário da gente do Serro do Frio. E nós, historiadores do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais, não poderíamos deixar de insistir nesse vínculo, que nos é tão caro, pois outro arauto daquela mesma gente, Aurélio Pires, foi o idealizador e co-fundador da Faculdade de Medicina da hoje Universidade Federal de Minas Gerais. Diante disso, a aula que esse extraordinário sacerdote ministrou no Curso de História da Medicina desta Faculdade, no dia 14-12-12, foi um momento de justo regozijo pelo reencontro da instituição com o que há de mais significativo nos arcanos totêmicos de Minas.
            Ele foi chamado de Dom Pelé, sendo ambos (ele e Pelé) mineiros, um do norte, outro do sul. Mas seu maior título, ainda no símile futebolístico, é ter sido habilíssimo meio-esquerda em magistrais tabelinhas com o visionário centro-avante dom Hélder Câmara. Culminou tudo não só  como  herói-goleador contra o arbítrio de 64 a 84, mas como o nunca suficientemente enaltecido arcebispo emérito da Paraíba.
            Poderia ter ficado no nordeste brasileiro, nos braços do povo, mas sua alma mineira o fez retornar para junto de sua doce capelinha de Córregos, da qual cuida como se ainda fosse aquele coroinha da primeira metade do século 20, quando a região ainda era literalmente “mato-adentro”. Suas peripécias hoje são acessíveis em vídeo por meio da TV Assembléia de Minas ou por meio do livro biográfico UM PROFETA EM MOVIMENTO (O Lutador, 2011) de Mauro Passos.
            De minha parte sou estudioso da contribuição de negros mineiros na medicina, na religião, nas artes, no esporte e em todas as áreas. Meu avô, João de Abreu Salgado me colocou nessa trilha quando em 1946 se tornou o primeiro biógrafo do Padre Vítor com o livro MAGNUS SACERDOS, ora em reedição. O padre Vítor (Francisco de Paula Vítor) foi um sacerdote negro ordenado ainda na vigência da escravidão, fato que pode ser considerado seu primeiro milagre, entre os muitos que lhe são atribuídos.  Outros estudados por mim, além dos já citados, são: na medicina, Joaquim Cândido Soares de Meireles, Francisco de Paula Cândido e Camilo Maria Ferreira Armond; na religião, o bispo Silvério Gomes Pimenta e os padres milagrosos Antônio Ribeiro Pinto de Urucânia, José Pinto Carneiro de Cipotânea, e Libério Rodrigues Moreira do Pitangui; na política, o quilombola Ambrozio e Joaquim Barbosa; nas artes, Aleijadinho, os compositores Emerico Lobo de Mesquita, José Maria Xavier, Manuel Dias de Oliveira e Tito Lazarino dos Santos, bem como inúmeros jongueiros, congadeiros e sambistas, estes representados por Geraldo Pereira e Ataulfo Alves. Não devem ser omitidos os adotivos, como os médicos Eduardo de Menezes e João Cândido dos Santos e o músico Milton Nascimento, os adotados, como Zumbi, Luther King, King Cole e Mandela; ou ainda os nascidos fora, mas de origem mineira, como parece provável o genial Abdias do Nascimento.
            Darcy Ribeiro se impacientava quando alguém lhe perguntava se era parente de algum Ribeiro importante de Minas. Respondia que a gente mineira devia desapegar-se do culto ao estamento, devoção ridícula das famílias tradicionais. E encerrava a conversa, garantindo que seu Ribeiro era o mesmo daquele degredado que Cabral desembarcou na Bahia, premiado com um exílio hedonístico, o primeiro entre outros ocorridos lá atrás em 1500. Trata-se, entretanto, de tema de maior significado do que a pretensa menor-importância que Darcy lhe atribui. O verdadeiro estamento mineiro tem raízes mais sérias a partir de um historiador como Simeão Ribeiro Pires, primo de Darcy, ou a partir da militância evangélica de um José Maria Pires. Os Pires chegaram a Minas escaldados por disputas entre parentes bandeirantes e aqui, mesmo sofrendo recaídas competitivas - mais que beligerantes, se tornaram preferencialmente sábios. E nada mais próprio que um Pires que traz em seu costado o totem da etnia banto para ser um símbolo contra-estamentário de altíssimo brilho, em plena Minas Gerais.
            A aula recheada de comoventes parábolas que esse arcebispo nos ministrou fez-nos perceber que subsiste uma Minas autêntica a ser cultivada, com aquela simplicidade e aquela sinceridade, que de modo algum nega a crueldade da sociedade mineira inicial e a dramaticidade da sociedade global atual, mas que mantem patentes as sendas tributárias de um reto caminho a percorrer. Lembrou, principalmente, que o médico evangelista Lucas nos demonstrou que um mero anão pode ser transformado em gigante - dependendo da luz que persiga em sua vida e, por consequência, do homem integramente novo que passe a  hospedar dentro de si.
            O Centro de Memória da Medicina, desde sua criação, se abriu às diferentes religiões e aos reflexos de cada uma sobre a medicina. A religião e a medicina foram uma só empresa por mais de 70 mil anos e só recentemente, há 500 anos, se tornaram objetivamente independentes. Cumpre ao historiador da medicina e ao historiador da religião não cair na arrogância de ignorar tantos milhares de anos. E o diálogo sereno e saudável com um profeta de nosso tempo, José Maria Pires, nos faz cada vez mais conscientes dessa necessária origem comum.  

domingo, 23 de dezembro de 2012


OSCAR NIEMEYER E WILSON ABRANTES
João Amílcar Salgado
Em 1997, a convite da inesquecível arquiteta Maria Elisa Meira, compareci à Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde participei da mesa de abertura do congresso brasileiro sobre ensino da arquitetura, no qual falaria sobre pedagogia do ensino superior. A meu lado estava Lúcio Costa, aos 95 anos, com quem cochichei dados genealógicos. Disse-lhe que, por meu lado materno, eu era, como ele, Ribeiro Lima Costa. A conversa com que combinamos prosseguir a troca de dados não foi possível. Nela, eu lhe perguntaria sobre sua saída da diretoria da Escola Nacional de Belas Artes.
Vinte anos antes, em 1976, estive hospedado na Casa do Brasil em Londres e seu diretor era colega de turma de Oscar Niemeyer. Frequentemente eu o interpelava sobre a vida estudantil do Oscar. Quando percebeu que eu conhecia o lado desabusado do homem, ele me revelou várias de suas passagens estudantis. Quando lhe contei a versão humorística de como Oscar se inspirara no mercado de Diamantina para o palácio da Alvorada, ele comentou que, pelo passado do colega, isso devia mesmo ter acontecido.  E me fez repetir o causo para outros, entre estes o sociólogo Gilberto Freire, o embaixador Roberto Campos e professores de Oxford, que riram repetidamente. 
Mas a principal pergunta que lhe fiz foi: por que Oscar Niemeyer não ficou na escola como docente? Respondeu que não sabia, mas deu a entender que aquele aluno, aos olhos severos dos dirigentes, pouco prometia como eventual docente. De fato, Niemeyer começara o curso já casado e sustentando-se como tipógrafo – tudo isso sem deixar a tendência boêmia. Vejamos as datas. Oscar se casou em 1928; no ano seguinte entrou na Escola de Belas Artes; em 30 e 31 esta é dirigida conflituosamente por Lúcio Costa; Oscar ainda aluno de 3º ano vai estagiar no ateliê de Lúcio; em 32 nasce a filha de Oscar, que é diplomado em 34. Assim, mesmo se os dirigentes conservadores lhe fossem simpáticos, a relação com o inovador Lúcio impediria seu aproveitamento docente. Em compensação, posso inferir que a docência imediata lhe teria tolhido o talento, do qual nem mesmo ele, Oscar, sabia ser dotado.
Para o estudo que faço sobre desperdício docente e sua recíproca, que é a docência clandestina, julgo oportuno anotar as seguintes evidências apuradas no caso Niemeyer: 1) a escola onde estudou perdeu uma futura celebridade como docente, 2) ainda estudante, cumpriu um currículo clandestino como estagiário não remunerado de Lúcio Costa, circunstancia que lhe despertou o talento, 3) depois de formado, as universidades de Yale (1946) e Harvard (1953) perderam a oportunidade de tê-lo como sua estrela, por odiosa e mesquinha discriminação ideológica, 4) a equipe ministerial de Capanema soube evitar os erros precedentes, pois não só o aproveitou no projeto do edifício do MEC (no qual se pós-graduaram clandestinamente vários talentos), como sugeriu seu nome a JK, para o projeto da Pampulha.  Outra coincidência favorável a Niemeyer foi a saída do médico Washington Pires do ministério. Pires, embora mineiro como Capanema e embora com veleidades de arquiteto, era catedrático da Faculdade de Medicina da hoje UFMG e estava empenhado em outros objetivos.  Ou seja, sem Capanema no ministério não seria possível o revolucionário edifício.
Passemos ao caso do notável médico Wilson Luiz Abrantes, inspirador dos conceitos de desperdício docente e docência clandestina. Wilson foi excluído da Faculdade de Medicina da hoje UFMG por razões políticas e isso consternou a maioria de professores e alunos, pois ninguém o imaginava privado da docência. Basta dizer que desde segundanista já era o melhor professor de anatomia, inclusive na opinião dos professores de anatomia. A alternativa adotada por esse docente nato foi a docência clandestina. Wilson Abrantes passou a exercer no Pronto Socorro (hoje Hospital João 23) a docência que lhe foi negada na faculdade. As demais equipes de plantonistas se pautaram pela requisitada equipe liderada por ele, de tal modo que gerações de médicos lhe devem esta pedagogia inestimável.  E isso era tão patente que a faculdade, ao fazer a notória reforma curricular de 1975, formalizou o clandestino estágio no Pronto-Socorro, timbrado como disciplina obrigatória.  E foi assim que ele retribuiu, com generosa contribuição, a injustiça de que foi vítima.
            O mas significativo é que a retribuição se deu não só no fato em si, mas como origem do CONCEITO PEDAGÓGICO  DE CURRÍCULO PARALELO OU CLANDESTINO, ou seja, aquele currículo desenvolvido extramuralmente pelo aluno, na busca desesperada para conseguir fora o treinamento que lhe é negado dentro da escola. E é notável que a concepção se inspira naquele que buscou exercer  fora o ensino que lhe foi negado dentro da escola! Em 1986 tive a oportunidade de expor a ideia e o fenômeno de currículo paralelo ou clandestino em universidades dos EUA. Um prestigioso especialista em ensino médico me aparteou dizendo que este conceito era o instrumento de análise mais interessante ouvido por ele nos últimos tempos. E eu lhe respondi que era, em grande parte, resultado de reflexões sobre tremenda injustiça cometida contra um excepcional médico de meu país.
            E isso não ficou por aí, pois tal inspiração levou a um conceito mais amplo, o de UNIVERSIDADE PARALELA.  De fato, quando meu colega Cid Veloso foi candidato a reitor, incluí em sua plataforma a proposta de criar a Universidade Paralela da UFMG, que nada mais é que trazer ao público interno e externo de nossa universidade aqueles, como Wilson Abrantes, que jamais deveriam estar fora dela.  Nisso incluiríamos uma gama enorme de gente, inclusive da cultura popular.  Infelizmente não foi possível concretizar essa ideia, cujo único remanescente é a premiação que a universidade oferece a seus egressos de admirável brilho fora de seus quadros. Além disso, temos no Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais uma miniatura de como seria a coisa, pois ali historiadores, estudiosos e interessados, não pertencentes ao corpo docente, comungam com este, sem discriminação, o grato prazer de dialogar com a juventude, alternando o papel de docente, de discente e de apenas interlocutor.
            No momento em que Oscar Niemeyer é celebrado sob múltiplos ângulos, parece-me oportuno vê-lo ao lado de Wilson Abrantes como inspiração e subsídio ao conceito de docência e aprendizagem clandestinas.

O presente texto resume dados do livro em preparo intitulado AUDÁCIAS EM SAÚDE E EM EDUCAÇÃO, a ser publicado como sequencia a O RISO DOURADO DA VILA (2003). O tema é tratado também em outro livro, a sair junto ao primeiro citado, intitulado SÍNTESE CRÍTICA DA PEDAGOGIA MÉDICA

domingo, 16 de dezembro de 2012



MÍDIA NO MUNDO – QUEM MANDA
               Estudo a mídia principalmente em função de minhas críticas à publicidade em saúde, iniciadas com minha tese de doutorado, no preparo da qual estive na Grã-Bretanha. Além disso, em minha juventude ocorreram várias coincidências:
             Meu pai, em minha cidade de Nepomuceno, foi um dos donos e  redatores de um tablóide udenista (29 DE OUTUBRO), e eu, com nove anos, acompanhava fascinado tudo aquilo
              Aos 18 anos fui um dos fundadores e editorialista de um jornal estudantil (O ELO) e fui articulista do jornal pH7 na Faculdade, pelo que tive direito a carteira de jornalista, que nunca fui buscar.
               Meu pai faleceu quando eu tinha 14 anos e logo depois li no Correio da Manhã que Orson Welles (ao mesmo tempo o maior cineasta e o maior artista de cinema  do mundo, depois do Carlitos) perdera o seu pai aos 15 anos e já tinha perdido sua mãe aos 9 anos.   Isso me foi tremendo consolo e passei a ler tudo sobre ele e a assistir seus filmes. Seu filme Cagliostro (Black Magic, 1949) foi forte influencia para que eu estudasse medicina. E seu filme Cidadão Kane (O mundo a seus pés, 1941) fez efeito cumulativo sobre minha ligação com o jornalismo, pois passei a estudar a vida do magnata da mídia William Randolph Hearst, o tal cidadão. Por outro lado, muito me impressionou a perseguição feita a Orson Welles pela extrema direita macarthista, sob a suspeita de que era comunista. Por causa disso, ele teve de interromper um filme que rodava, coincidentemente, no Brasil...!
              Relato essas coisas para mostrar a origem de meu interesse em acompanhar o impacto das redes coletivas de internautas sobre a mídia em geral e a apreensão causada por elas aos detentores de monopólio. Sob pressão, os monopolistas se apegam, de unhas e dentes, ao argumento de que seu direito de monopolizar e de manipular é visceralmente indissociável de seu direito à liberdade de expressão. Isso vinha sendo assim até que houve o escândalo do Murdoch. E a Grã-Bretanha, que foi o berço da liberdade de expressão, acaba de produzir o RELATÓRIO LEVESON, decorrente desse escândalo. Se as recomendações deste relatório forem aprovadas lá, desfecho que parece provável, como é que os monopolistas do Brasil e do mundo vão argumentar?
            Eis a lista:
RUPERT MURDOCH na Grã Bretanha
BBC, pública, na Grã Bretanha
SILVIO BERLUSCONI na Itália
ANNE COX CHAMBERS  nos EUA
ANGEL GONZALES, lado hispânico dos EUA e América Central
WLADIMIR PUTIN na Rússia
EMILIO AZCARRAGA no México
AGA KHAN, xiita, no leste da África
TIONG HIEW KING na Malásia
AMÉRICA DO SUL –
ARGENTINA – Grupo Clarin
COLOMBIA – Grupo Caracol
VENEZUELA – Grupo Globovisión

BRASIL (parte competidores, parte afiliados entre si) –
FAMILIA MARINHO – Rede Globo
FAMÍLIA DO BISPO MACEDO – Rede Record
FAMÍLIA SAAD – Rede Bandeirantes
FAMÍLIA SILVIO SANTOS – Rede SBT
FAMÍLIA DALLEVO – Rede TV
IGREJA CATÓLICA – Rede Vida
FAMÍLIA CIVITA / NASPERS – Revista Veja e Editora Abril
FAMÍLIA  FRIAS – Grupo Folha
FAMÍLIA MESQUITA – Grupo Estado
FAMILIA SIROTSKY – Grupo RBS no RS
FAMÍLIA COLLOR – Grupo Collor em AL
FAMÍLIA SARNEY – Grupo Sarney no MA
FAMÍLIA MAGALHÃES – Grupo Magalhães na BA
FAMÍLIA TEIXEIRA DA COSTA – Grupo Associados em MG
“REDE” CAÓTICA DE MÍDIA PUBLICA E PSEUDO-PÚBLICA


        Segundo o especialista Venício Lima, da Universidade de Brasilia, “a ausência de legislação no Brasil permite que sobrevivam a velha estrutura da propriedade familiar, o renovado vínculo com as elites e a crescente presença das igrejas no setor de comunicações [Venício é o criador da expressão “coronelismo eletrônico]. Venício Lima e Franklin Martins são os intelectuais brasileiros mais autorizados nesta área. 
       LEIAM O RELATÓRIO LEVESON. Você tem acesso a ele exatamente graças à liberdade que a internete propicia ao mais desinformado e ao mais distante internauta. E pode ser lido em inglês ou em português!



AYMORÉ DE CASTRO ALVIM

Ele é mais do  que médico, cientista, historiador e escritor: é autêntico maranhense  

João Amílcar Salgado
            Estamos regressando da ilha de São Luiz, onde, de 07  a 10-11-2012, Aymoré de Castro Alvim nos recebeu para o 17º  Congresso Brasileiro de História da Medicina.
             Dois nomes da medicina mineira são fortes ligações desta com a medicina maranhense, duo que se completa em trio com um presidente da república mineiro. São eles Henrique Marques Lisboa, Pedro Nava e Afonso Pena. Marques Lisboa foi combater a peste bubônica em São Luiz em 1904. Contaminou-se, automedicou-se heroicamente e foi um dos debeladores do sinistro. Essa façanha não teria sido divulgada se Nava não escrevesse suas memórias. Já Afonso Pena viabilizou a estrada de ferro São Luiz – Caxias e foi também o primeiro presidente da república a visitar o Maranhão. Influenciado ou não por tais singularidades históricas, impressionou-me a semelhança entre a gente maranhense e o povo mineiro, inclusive no apego à cultura.
           Se me encontrasse e conversasse com o Aymoré em Sabará, Ouro Preto ou Diamantina, eu o tomaria por plácido cidadão destas comunas. Só que, comparando o Maranhão com Minas, os historiadores mineiros morrem de inveja. Quando Minas começou sua vida colonial, os maranhenses já tinham dela 200 anos. Na metade desses dois séculos, em 1612, receberam em vez da medicina lusa a francesa, na pessoa do cirurgião Thomas de Lastre.  No final dos mesmos, tiveram o privilégio de receber o padre Antônio Vieira. Para mitigar tal inveja, lembro que, nesse final dos seiscentos, nascia outro jesuíta, Matias Antônio Salgado, considerado o padre Vieira mineiro.
           Os pais de Aymoré, certamente sem querer, homenagearam Minas, pois o nome aimoré designa pugnazes indígenas de Minas, jamais subjugados, insubmissão que causou seu genocídio. E o próprio sobrenome Alvim é o mesmo de ilustres cristãos-novos atraídos pelo ouro de nossas entranhas. Em contrapartida, o Maranhão, entre seus médicos ilustres, contou com Carlos Alberto Salgado Borges, meu inesquecível comparsa em pedagogia médica, e conta com Natalino Salgado Filho, a quem conheci ainda estudante, hoje o benemérito da nefrologia do norte-nordeste brasileiro. O que quero dizer é que os Salgado são galegos luso-compostelos, de assinalada contribuição, de norte a sul, à unidade brasileira.
           Quando fui pela primeira vez a São Luiz, pedi que me mostrassem o cajueiro de Humberto de Campos, plantado por ele próprio em sua infância e que marcou minha própria infância.  Pediram-me desculpas, pois o cajueiro não se achava em São Luiz, mas na cidade litorânea de Parnaiba, hoje tombado. Humberto, por sinal, deve ser considerado referência na história da medicina, seja pela doença de que foi vítima, seja porque em suas crônicas encontramos preciosas informações sobre a medicina de seu tempo.
                Por sua vez, o médico Nina Rodrigues, maranhense de Vargem Grande, nascido há 150 anos, foi homenageado, no encontro, por Arquimedes Viegas Vale, que nos forneceu dados preciosos de suas origens familiares. O lado baiano da  carreira de Nina foi tratado por Ronaldo Ribeiro Jacobina.  Antônio Carlos Nogueira Britto e Jacobina formam a linha de frente da historia da medicina na Bahia, o primeiro, por nos revelar documentação implacável das escolas médicas oitocentistas de Salvador e Rio de Janeiro; o segundo, por nos mostrar por inteiro tanto Nina como o incrível Juliano Moreira.  Sugiro a leitura do recente livro de Jacobina  LUZES NEGRAS: NEGROS E NEGRAS LUMINOSOS DA BAHIA (2012).
                Eu próprio também falo de Nina Rodrigues no livro NOS SERTÕES DE GUIMARÃES ROSA (CRV, 2011). Os ninistas, desde o século 19 são bravos polemistas, mas a verdade é que o tema continua em pleno debate, exatamente no momento do estabelecimento de cotas raciais nas escolas e quando o Brasil pela primeira vez entrega a ostensivos afrodescendentes altos postos de mando. No próprio transcurso do congresso em pauta, acompanhamos a façanha da reeleição do primeiro negro no governo estadunidense, eleição profetizada por Monteiro Lobato, outro de posições raciais controvertidas, em seu livro O PRESIDENTE NEGRO (1926) – e de quem também falo no mesmo livro. A invejável composição racial do Maranhão, muito bem simbolizada em Gonçalves Dias e Coelho Neto, demais realçada por seu peculiar teor cafuzo, lhe deu riquíssima cultura e, assim, nada mais própria foi a ocasião desse encontro de historiadores.
               Já de Aymoré Alvim recomendo as obras CRÔNICAS E CONTOS DE UM PINHEIRENSE (2011) e 400 ANOS DE MEDICINA NO MARANHÃO,  assim como aplaudo os versos de seu filho, Aymoré Filho,  forte  poeta. No Maranhão, aliás, é mais fácil saber quem não é prosador e/ou poeta do que fazer a difícil escolha do melhor destes. E não é que houve disso um vaticínio, quando o beletrista quinhentista João de Barros chegou a ser  um dos primeiros donos virtuais do Maranhão? Entre outros, cito mais quatro médicos-historiadores com os quais tive o prazer de trocar preciosas informações: Aldir Penha Costa Ferreira, autor dos saborosos CONTOS DE JALECO BRANCO (2010), Haroldo Silva Souza, organizador da obra biográfica ACHILLES LISBOA (2000), Antônio de Pádua Souza, autor de O VELEJADOR (2009), de intrigantes contos e novelas, e José Márcio Soares Leite, cujo NA DIREÇÃO DA SAÚDE (2012) é lição haurida de bela trajetória, a ser aproveitada por todos os administradores de saúde. 
           Finalmente, volto a Minas para anotar a grata surpresa da apresentação, em jogral, por Leila Barbosa e Marisa Timponi, de A POÉTICA DA DOENÇA,  poemas descobertos sob papéis íntimos de médicos juiz-foranos. Constitui feliz iniciativa, que há de ter continuidade. Nasceu da criatividade dessas incansáveis investigadoras, capazes de farejar e garimpar qualquer afloramento de coisas do saber e de fino gosto.   


JOSÉ SÍLVIO RESENDE

Indizível joalheiro da arte médica

João Amílcar Salgado



      O cirurgião José Sílvio Resende (1930-2012) bem representa o modelo de médico que a Faculdade de Medicina da hoje Universidade Federal de Minas Gerais foi capaz de formar ao longo de sua história, iniciada em 1911. Nesse já longo transcurso, ocorreram os juscelinianos anos dourados, quando determinadas turmas foram graduadas justamente entre o ocaso da hegemonia franco-alemã e o advento da influência anglo-saxônica.  Sílvio Resende, da turma de 1955, é o exato protótipo daquele profissional que bebeu, sem distingui-las, ambas de tais fontes - e, nisso, pôde sedimentar o que ofereciam de mais autêntico e permanente. Está aí a origem de sua incomensurável cultura médica, construída em continuidade harmoniosa com admirável cultura geral, em que o biombo de irrevogável modéstia não consegue ocultar o historiador, o beletrista, o orador, o líder (formador de gerações de notáveis discípulos, entre eles quatro colegas meus de turma: Marcelo Ferreira, Luiz A. Luciano, Ernesto Lentz e Gilberto Lino), o músico (consangüíneo de Abel Ferreira, conviva de Goiá), o pescador e o sertanista.
       José Sílvio Resende por pouco não compôs, ao lado de André Esteves de Lima, da turma de 1952, e Edir Siqueira, seu colega de turma, um trio de mineiros a brilhar nos EUA. Dos três, apenas o Edir ficou lá, André foi e voltou e o José Sílvio não foi.  O André e o Christian Barnard (aquele do primeiro transplante de coração) foram residentes, sob a orientação de Clarence Walton Lillehy, em Minneapolis, Minnesota. Lillely é considerado o pai da cirurgia cardíaca a céu aberto. Daí que o André trouxe a moderna cirurgia cardíovascular para o Brasil e Barnard para a África do Sul.  O André, sabendo da potencialidade do Zé Sílvio, falou dele ao  Richard Overholt, que imediatamente abriu duas vagas, em seu hospital de Boston, uma para o mineiro e outra para um postulante inglês.  E o Zé Sílvio, por questões pessoais, não pôde ir. O cirurgião torácico Richard Overholt hoje é conhecido como o iniciador da guerra médica contra o tabaco, resultante de sua experiência com o tumor pulmonar. Ele ficara célebre como o primeiro a fazer uma pulmonectomia direita para tratar esse tumor, mas acabou confessando que eliminou mais tumores combatendo o tabaco do que com o bisturi. Diante de tais relacionamentos, perguntei o Zé Sílvio se chegou a conhecer o Barnard. Ele disse que sempre visita o André em Brasília e, certo dia, chegando à residência do André, este lhe disse que, se tivesse chegado um pouco antes, teria encontrado ali o Barnard.
         Cada qual dos numerosos admiradores aprecia apontar no José Sílvio Resende as qualidades preferidas, nunca uma entre várias.  Quanto a mim, me impressionam a versatilidade com que transita pelas especialidades cirúrgicas (em várias das quais abriu caminhos), o virtuosismo semiotécnico, a acrobática memória sobre pessoas e coisas, bem como o gosto pela história geral e pela história da medicina. Estamos, pois, diante de alguém que não tem o direito de nos negar suas memórias, ao estilo de Pedro Nava, ou seja, em que não faltarão o trágico e o cômico, a colorir casos médicos (inclusive de celebridades de que cuidou, entre elas o cacique Pichuvi da tribo Cinta-Larga e o político Aureliano Chaves), alternados a passagens da vida em geral, que sei próximas ao realismo fantástico.
           Uma dessas é sua ligação com o célebre padre Eustáquio van Lieshout.  Quando Resende era criança de cerca de nove anos, o padre Eustáquio, vindo de São Paulo, ficou por pouco tempo no Colégio Dom Lustosa, em Patrocínio.  Certo dia o menino Zé ficou encarregado de acompanhar o padre, que saiu a abençoar pelas fazendas e povoados de Coromandel, cidade vizinha a Patrocínio. A devoção ao padre permaneceu na região e mais tarde o próprio Zé Sílvio foi levado a participar da comunicação de um de seus milagres.  Uma fazendeira sofria ataques epilépticos e pediu uma graça a padre Eustáquio. Na  novena rezada para esse fim,  pediu que o sinal de que fora atendida seria uma rosa. Certo dia, seu filho disse que achou uma pedra e que sentiu necessidade de entregar-lhe. A mãe diz: espero uma rosa, mas não uma pedra.  A criança insiste em entregar aquele objeto e, ao fazê-lo, a pedra cai e se quebra ao chão. Na superfície interna do fragmento estava o desenho de uma rosa. O José Sílvio Resende, por ser ex-acompanhante do padre Eustáquio e por ser médico, foi chamado para atestar a cura e testemunhar a figura no fragmento. O diligente cirurgião, que não é religioso praticante, não só fez isso, mas fotografou a rosa e a encaminhou aos responsáveis pelos registros dos milagres do padre Eustáquio.
           Surpreendem as realizações em que José Sílvio Resende foi pioneiro, como a operação de Merendino para megaesôfago. Inovou-a, a seguir, com a abertura abdominal exclusiva. Foi também vanguardeiro na ressecção de traquéia, sem uso de prótese. Repetiu-a dezenas de vezes para estenose traqueal. Igualmente foi o primeiro a empregar a cavernostomia de Bernou no tratamento do micetoma pulmonar, cirurgia hoje adotada amplamente. Não contente, nos apresentou, em casos muito bem sucedidos, a timectomia para a miastenia grave. Sua colaboração com Aristóteles Brasil, na investigação do megaesôfago chagásico, e com João Resende Alves, em cirurgia experimental no cão, não pode deixar de ser ressaltada. Em tais experimentos ele desfez a hipótese de um alegado marca-passo na cárdia. Sua última contribuição científica é a copiosa e inequívoca evidência da transmissão digestiva e não respiratória da tuberculose, inclusive explicando porque esta infecção é rara em equinos e comum em bovinos.
        Tendo sido médico e amigo do outro Pedro, o Salles, eminência tutelar dos historiadores mineiros da medicina, José Sílvio Resende estava assim predestinado a trazer contribuição substantiva a nossa memória médica.  Com fatos de que ele próprio foi partícipe, já nos daria relato inestimável. Sendo, entretanto, quem é, fez mais: investiu-se de sherlockiana obsessão e desencavou verdadeira galeria de personagens até então desconhecidas ou mal-conhecidas e as cercou de documentação e testemunhos inéditos. Acervo tão rico não caberia num único livro e nos presenteia com dois: um sobre a HISTÓRIA DA PNEUMOLOGIA E DA CIRURGIA TORÁCICA EM MINAS GERAIS (2005) e outro, ainda inédito, sobre a epopéia da tisiologia no mundo e entre nós.
      O Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais é esta instituição reverenciada no país por contar, em sua equipe de estudiosos, com gente tão seleta como José Sílvio Resende. Originário de plagas diamantíferas, este coromandelense é médico raro, historiador raro e ser humano raro, em todo o planeta. Não tão raro em Minas, porque Minas prima por brindar o Brasil com gigantes como ele.