João Amílcar Salgado

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

 


Ênio Leão – marco internacional Do ensino pediátrico

João Amílcar Salgado

 

Em meu livro de memórias, O RISO DOURADO DA VILA, descrevo como conheci o então assistente da clínica pediátrica Ênio Leão: Da pediatria cada um de nós saiu pediatra acabado, pois, graças à clarividência do professor Berardo Nunan, fazíamos com autonomia um profuso atendimento em ambulatório (inspirador da expansão da pediatria e do ensino ambulatorial em geral em 1975), estimulados por cinco craques do treinamento em serviço: Ênio Leão (formador desde aí da brilhante escola pediátrica mineira e pediatra de meus filhos), Augusto Severo, Mário Moreira, Celso Lobo e Achiles Tenuta.

Já como colegas na docência, o Ênio e eu, seu vice, fomos designados para a comissão destinada a implantar a residência médica no Hospital das Clínicas. Isso significa que os primeiros passos da residência médica na Universidade Federal de Minas Gerais estiveram muito próximos dos ideais inaugurais desta modalidade de treinamento.  Essa concepção influiria a seguir no modelo de internato pré-formatura, inclusive rural, estabelecido em 1975.  Infelizmente a residência sofreu ingerências vindas de cima que a levaram para rumo oposto e em condições degradantes.

 Foram, inicialmente, impostos critérios para impedir a admissão de candidatos considerados subversivos pela ditadura vigente. Posteriormente veio uma espécie de administração própria desvinculada de qualquer diretriz da graduação, obedecendo aí ditames não só oriundos da burocracia ministerial, mas originários das corporações de especialistas.  Para tanto, foi criada uma absurda comissão nacional de residência médica, com dois absurdos adicionais: devia haver nela representantes militares e de hospitais lucrativos.  Assim, a residência, em vez de acrescentar treinamento em pesquisa-e-ensino de alto nível às graduações terminais, foi transformada no monstrengo atual, ou seja, servir de muleta pedagógica a precaríssimos cursos de graduação, com o fim escuso de usar os pobres mal-acabados profissionais como mão-de-obra barata. E as clínicas ou serviços que os recebem como treinandos, pagando-os tão mal, ainda adquirem o título de instituição de ensino pós-graduado!!!

Da discussão daquela residência ideal e decente, surgiu a necessidade de uma comissão de padronização hospitalar, outra novidade, composta de subcomissões para várias áreas, sendo a mais importante a subcomissão de padronização de medicamentos.  E lá fomos o Ênio Leão e eu, seu vice, para a padronização.  Antes tínhamos criado mais outra novidade, a farmácia hospitalar, entregue à competência da farmacêutica Zildete Pereira de Souza, que logo se tornou a maior autoridade nesta área no país. A seriedade decorrente fez surgir um primeiro drama.

Uma grande empresa multinacional estava lançando novo antibiótico. Com base no que antes acontecia, escolheu nosso hospital como trampolim de marketing. Mas nossa comissão deu parecer negativo, assinado pelo presidente Ênio Leão, segundo o qual o produto ainda não contava com estudos isentos sobre sua segurança. O gerente geral veio de São Paulo e ofereceu viagem ao Caribe para nós dois. Não aceitamos. O diretor da Faculdade nos chamou a uma reunião e só aceitamos comparecer sem a presença do gerente geral. O diretor acabou subscrevendo o parecer inicial.

Quase ao mesmo tempo, se esboçam os primeiros mestrados e doutorados. E nosso Ênio, com toda sua imensa cultura clínica e sua admirável sintonia com o progresso científico, se viu desestimulado a não prosseguir na elaboração de sua tese sobre escorbuto infantil. Correu a notícia de que ou a gente se matriculava num mestrado ou desistia da carreira universitária. Leão, não tendo condições para regredir às exigências colegialescas do mestrado, quis jogar ao lixo a tese de livre-docência que preparava. Nós, seus admiradores, discordamos totalmente de sua atitude e recolhemos com carinho o original da pesquisa, pois aquele estudo era único e destinado a grande repercussão.

Tanto fizemos que ele afinal defendeu a tese como doutorado, por crédito de notório saber. O aplauso unânime, inclusive de fora de Minas, o estimulou a ancorar com redobrado entusiasmo quer a referida expansão a seguir ocorrida no Departamento de Pediatria (antes uma pequena disciplina), quer a própria produção científica dos membros, veteranos e jovens, da crescente equipe docente.  Sim, o nosso hoje tão elogiado mestrado-doutorado pediátrico adveio dessas peripécias embrionárias, sendo fruto do esforço e da capacidade do professor Edward Tonelli, outro grande vitorioso sobre as dificuldades daquela época. Agora, ao contrário, a já madura pos-graduação pediátrica chega a influir em projetos congêneres de dentro e fora da saúde e de dentro e fora de Minas.

O crescimento de nossa pediatria foi relatado, com auxílio de pirâmides demográficas comparativas entre o 1º e o 3º mundos, a Vic Neufeld.  Ele é o líder da inovação educacional desenvolvida na universidade canadense de McMaster e passou alguns dias conosco.  Considerou irmãs nossas inovações, mas ressaltou sem precedentes algumas que só conheceu aqui, especialmente o internato rural, o ambulatório periférico e o ensino pediátrico em geral. No afã de explicar-lhe nossa estratégia, usei um neologismo criado para caracterizá-la: nosso esforço era para  pediatrizar o currículo médico E de brincadeira verti a expressão para o inglês, com o neoverbo to pediatrize ou to pediatricize.  Ele passou a usá-lo, preferindo o primeiro, sempre com um sorriso de cumplicidade. E prometeu difundi-lo em suas palestras pelo mundo.

Outra conquista garantida pela liderança de Leão foi a publicação de um manual de pediatria ambulatorial, que compôs o conjunto formado pelos manuais de ambulatório para adulto e de cirurgia ambulatorial.  Embora o projeto inicial, de 1976, pedisse nova concepção de texto, os livros afinal editados foram os possíveis nas circunstâncias de então e o referente à  pediatria foi o de maior impacto, em virtude do ineditismo da nova concepção de medicina geral de crianças..

Houve depois um seminário aqui organizado pelo inesquecível professor Antônio Cândido Melo Carvalho, com a presença de inovadores curriculares dos quatro continentes. Na exposição que fiz de nosso processo curricular, perguntei se algum dos participantes sabia de alguma outra experiência semelhante ou com igual ou maior carga horária em pediatria. Não tinham notícia de nada igual. O mesmo aconteceu em outros encontros no Brasil e no exterior.  

Diante disso, ficou demonstrado que Ênio Leão está na origem e na liderança de tal primazia, ou seja,  representa incontestável marco mundial do ensino pediátrico.

 

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

 


O PESSOAL DA PONTE (do TITO)

João Amílcar Salgado

            Estávamos na fazenda da Lavrinha de meu tio Luiz Lourençoni. Minhas tias Rute, Bebete e Iracema alfabetizavam a redondeza. Os jovens filhos do Tito Meneiz também tinham aula ali. A Mariquita era amiga inseparável de minha irmã Maria. Vão chegando o Doca e o Helvécio e apontam os olhos desta, dizendo “gente, essa menina é muito bonita, com esse olho de gato”. A Mariquita corrige: “olho de gato, não – olho de gata”. A tia Rute era a maior amiga da Luzia da Ponte, o Deoclécio namorava nossa prima Carlota e eu era vidrado nas tranças da Maria Ângela, futura colega de aula no ginásio. Mais tarde, eu lembrava esta cena para a dona Alda, procurando acalmá-la pois já estava sendo levada pela Aparecida até a sala de cirurgia. O dr. Arnaldo ia retirar-lhe a vesícula, auxiliado pelo dr Rubem, sendo anestesistas o dr Décio e eu.  A morte tão inesperada da Mariquita fez a cidade inteira chorar. Minha irmã inconsolável chegou com um ramo do jardim da amiga e disse: “não quero nem olhar para isso” e o jogou perto do muro. Dias depois o ramo surpreendentemente brotou e ficou sendo a flor eternizada da Mariquita (Maria Isabel Menezes). .

 

domingo, 20 de agosto de 2023

 

HELVÉCIO MENEZES – SAUDOSO COMPANHEIRO TRANSBORDANTE DE HUMOR

João Amílcar Salgado

Hoje, 20/8/23, vimos na tv uma bela homenagem prestada pela prefeita Iza a seu pai, Helvécio, meu querido amigo de juventude. Era finíssimo humorista, virtude herdada pelo Helvécio Filho. Sim, minha gente, a bela e desenvolta burgomestra deu um show culinário com o prato paterno, da tradição Piraquara. Inclui ingredientes fundamentais, como a banha, e, nela banhados, o pé e a orelha suínos. Acrescidos de feijão branco, sem racismo. Junto com o queijo e o fumo Frade, são patrimônios da história da Vila, que os remetia, a partir do Congonhal e do Morembá, para o Rio, na porfia dos tropeiros.  A banha nunca foi má, mas difamada pelos industriais da soja. Quando li em Pedro Nava a defesa da feijoada como de origem mineira, lhe relatei esse passado. Ele se entusiasmou e hoje juro que o memorialista se deliciaria com a iguaria da Iza. E as mulheres nepomucenenses, estrelas de nosso café, também brilharam, nesta mesma reportagem, em sua emocionante iniciativa, digna dos mais pomposos de nossos aplausos.


quinta-feira, 3 de agosto de 2023

 


O LÍTIO MINEIRO COMEÇA A SER EXPORTADO PARA A CHINA

João Amílcar Salgado

Em 27/7/23, houve a primeira exportação de lítio, produzido no Vale do Jequitinhonha, em Minas, para a China, via  Porto de Vitória, ES. A mina de lítio fica entre as cidades de Itinga e Araçuaí. Em 2021 divulguei o texto “O Lítio e a Petrobrás”, que é o seguinte. A Argentina, o Chile e a Bolívia possuem, juntos, 60% das reservas do planeta, dados são do US Geological Survey.

“Em 1989, propus a Mário Covas, junto com o Almir Gabriel, o Cid Veloso e o Carlos Becker, que incluísse, em sua proposta presidencial, obter da Bolívia que a Petrobrás explorasse suas jazidas de lítio, hoje apelidado de petróleo branco. Pouco antes, tinha havido uma reunião no Departamento de Química da UFMG, onde falei sobre a visita de Marie e Irene Curie a nosso Instituto do Radium. Principiei lembrando que o primeiro livro lusófono de química foi escrito pelo mineiro Vicente Silva Teles e que José Bonifácio de Andrada, cuja família veio de Santos para Minas, foi o descobridor, em 1790, do minério de lítio, a petalita, mas o nome lítio foi dado, pouco tempo depois, pelo genial purificador Humphry Davy. Um dos químicos presentes me perguntou se eu conhecia Gilbert Newton Lewis, descobridor, em 1912, de que o lítio poderia ser fonte de energia elétrica. Respondi que talvez o tenha estudado para o vestibular, mas seu nome se apagou com o tempo. Lembrei-me apenas que estudei o lítio como o mais leve dos metais. Mas, num esforço de memória, perguntei: “não seria Gilbert o tal dos elétrons pareados?” A partir de José Bonifácio, passei a acompanhar a crescente importância do lítio como calmante (1954) e, a seguir (1991), como miniaturizador das pilhas. Em 1980, nos EUA, um cientista me perguntou se o Brasil tinha muita reserva de minério de lítio. Confessei nada saber e ele disse que era bom eu saber, “porque, segundo amigos meus japoneses, isso vai ser uma riqueza estratégica”. Chegando aqui, verifiquei que em Araçuaí, Minas, o lítio era promissor, mas a Bolívia era riquíssima dele, com reservas bastante quantificadas desde 1985. Foi então que fiz a proposta a Covas. Os paulistas que acompanhavam o candidato nesta caravana a Minas, um deles Franco Montoro, descartaram minha sugestão, por causa do risco de que fosse ridicularizada. O risco de fato havia, pela provável relação com o lítio que receitaram para amansar o Ulisses Guimarães.  Covas, já governador, foi sigilosamente informado por Severo Gomes de grossa corrupção em suas obras. Pediu que o próprio Severo e Ulisses sigilosamente verificassem. Quando estão quase esclarecendo tudo, o helicóptero dos dois desaparece no mar. Os tucanos nasceram porque o partido do Ulisses estava corrompido e cada vez mais distante da esquerda - e Ulisses morreu, porque confirmava o mesmo para os tucanos. Mais tarde, verificamos quão fomos ingênuos naquele ano de 1989. A imprensa afinal documentou aquilo que foi apelidado de “privataria tucana”, pela qual Sergio Mota, José Serra e FHC ilustraram muito bem o aforismo do lavrense Carlito Maia, de que “todo esquerdista começa a esquecer sua ideologia, quando começa a contar dinheiro”.

Em 2021, continuávamos no mesmo, ou seja, às voltas com a privataria da mesma Petrobrás, do Banco do Brasil e da Caixa Federal. Hoje, no entanto, estamos esperançosos de que tudo seja decentemente corrigido, desmentindo nosso Carlito Maia. Portanto, a notícia acima deve ser demarcada, para que logo o minério seja beneficiado na própria Minas Gerais, em memória de Carlos Drummond.

sexta-feira, 28 de julho de 2023

 


PAI QUE MUITO CEDO FUI

João Amílcar Salgado

No aconchego mais carinhoso da família cultivamos três caçulinhas: a meiguice formosa da Vange e da Neusa e a rara vivacidade do Lívio. A perda do pai aos seis anos foi para o Livio uma brincadeira sem-graça do pai brincalhão. Bem que o Malasarte, herói de ambos, poderia, em mais uma arte, a maior de todas, trazê-lo de volta... Enquanto eu, sob a perda invencível, me fiz pai muito cedo. Eu que fora criança-prodígio feliz, era agora o pai suplente da criança-prodígio infeliz. Em meu zelo constante de pai adolescente, me fiz preceptor do elogiado futebolista-mirim, do orador infantil, do poliglota, do repetidor do irmão no vestibular, do eminente engenheiro, do meticuloso fruticultor e do campeão da Vila em mangarito. Ao incorrigível humorista Lívio pergunto: que brincadeira sem graça é esta, de nos deixar assim, todos e tantos  tão desolados?

28/7/23

 

 

quarta-feira, 26 de julho de 2023

 

LUÍS MALTA E BRENO GOMES - PARTIDÁRIOS DAS SUTILEZAS NA MEDICINA

João Amílcar Salgado

Ao longo de largos anos no agradável ofício de ensinar semiologia médica, a boa relação médico-paciente foi minha diuturna lição.  Este apostolado não está perdido. A observação do conjunto de meus ex-alunos me mostra profissionais do mais alto desempenho, quer técnico, quer no trato com os pacientes. Tanto que fez surgir um livro sobre o tema: “Clínica Médica Vol. 2 - Nº 1 - Relação Médico Paciente”, de autoria de Eduardo Costa Ferreira, Maria Mônica Ribeiro e Sebastião Soares Leal (Medsi, 2002). Desde minha militância pedagógica e desde esta publicação, a relação medico-paciente, em vez de aprimorada, paralelamente ao aperfeiçoamento tecnológico, vem sendo posta em questão, muitas vezes desrespeitada, atropelada e aviltada. Nada mais oportuno que surja um livro com o feliz título “AS SUTILEZAS DA MEDICINA”, de autoria de Breno Figueiredo Gomes e Luís Augusto Silva Malta, a quem aplaudimos de pé. Deve ser lido reflexivamente por todos os profissionais de saúde. E aproveito a oportunidade para solicitar a segunda edição do primeiro. Nele o João Vinícius Salgado é o principal autor do capítulo inicial, intitulado “A Relação Médico-Paciente na História da Medicina”.
 

 

 

 

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terça-feira, 25 de julho de 2023

 


A EPIGENÉTICA É IMPORTANTE NOVIDADE CIENTÍFICA

João Amílcar Salgado

Os nepomucenenses que acompanham as novidades da ciência têm o dever de saber sobre as conquistas na área da genética, porque foi o lavrense-nepomucenense João Batista Veiga Sales quem deu enorme contribuição à química do DNA, como auxiliar de Severo Ochoa, na conquista do prêmio Nobel, em 1959. Pois bem, uma novidade genética é o novo ramo da epigenética. Desde Darwin, os cientistas defendem que a evolução biológica ocorre por seleção natural e mutações aleatórias, ligadas ao DNA. A epigenética reúne um conjunto de evidências de que mudanças evolutivas persistem através de gerações, sem envolvimento do DNA. Nosso principal epigeneticista é o notável geneticista Edson Coelho de Morais, da Ufmg. Ele acaba de divulgar importante texto do especialista italiano Corrado Spadafora, publicado na revista  “Progress in Biophysics and Molecular Biology”, março de 2023 - excelente introdução à epigenética. [ver em português em Amircasal.blogspot.com]