MINAS
E AS DIRETAS-JÁ
João Amílcar Salgado
Os historiadores mineiros têm dificuldade no relato de
episódios em que Minas aparece mal na história do Brasil. Três episódios podem
servir de exemplo. O primeiro foi quando Getúlio Vargas inventou a personagem
caricata e sonsa de Benedito Valadares, para se livrar de três correligionários
tidos como inteligentíssimos: Antônio Carlos, Capanema e Virgílio Melo Franco,
sem os quais os revolucionários de 30 não triunfariam. O segundo foi quando o líder estudantil Herbert
José de Souza, o Betinho, foi passado para trás na eleição para presidente da
União Nacional de Estudantes, entidade que, caso sob seus liderados, evitaria
certamente o golpe de 64. O terceiro foi quando mineiros foram usados não só
para dar início a este golpe como para a tentativa de sua legitimação, por meio
de figuras até então respeitáveis no cenário político.
Americano Freire, fluminense que veio para professor de
medicina em Minas, ofereceu explicação endocrinológica para isso. A falta de iodo
em nossas montanhas faria com que homens de notória inteligência comprem o Pão
de Açúcar no Rio e bondes em São Paulo. A própria origem de Minas explica
melhor. Quando descobertas as minas, houve a maior corrida do ouro do mundo,
vindo gente de todo o Brasil e de fora da colônia. A população inicial
compreendia dois grupos: 1) os que recolhiam ouro, diamante e outras gemas e desapareciam;
2) os que gostaram daqui e aqui se enraizaram. Estes escondiam daqueles suas
mulheres e seus baús - e entre si criaram rigorosos códigos tácitos. Quando em
outro lugar, julgavam ali vigentes tais códigos. Daí surgiu, inclusive, o
anedotário do “mineirim”, tão popular na internete.
Todo esse preâmbulo é para melhor historiar a relação
entre Minas e as diretas-já. A idéia de luta pela eleição presidencial direta, como
término da ditadura, surgiu da anistia, em 1979 – conquistada graças ao heroísmo
de Teotônio Vilela. Veio a se transformar em campanha nacional em 16-4-1984 no
célebre comício do Anhangabaú em São Paulo, no qual Tancredo Neves foi o
primeiro a discursar. Ao lado dele estava Milton Nascimento.
Dois
anos antes, em 1982, houve a maior greve em universidade federal, durante a
ditadura. Exigia-se a eleição direta para diretor de faculdade. O movimento foi deflagrado na Faculdade de
Medicina da UFMG, estando Tancredo Neves em campanha para governador de Minas.
Os grevistas obtiveram do candidato pleno apoio a sua reivindicação. A
congregação da faculdade, vergonhosamente, não acatou a lista de docentes (um
deles eu) eleita pelo voto direto e paritário de docentes, estudantes e
funcionários e fez sua lista própria, com ultraconservadores apoiadores da
ditadura. Tancredo Neves confessou mais tarde que seu engajamento na campanha
das diretas-já remontava a esta greve. Isso contradiz a declaração de Ulisses
Guimarães de que Tancredo não era pelas diretas até que ele, Ulisses, o
convenceu a se engajar.
Ainda mais cedo, em 1980, na inauguração da sala Borges
da Costa do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais, Tancredo aplaudiu os
discursos do estudante Jésus Fernandes e do professor Amílcar Viana Martins,
ambos bradando inauditas e audaciosas palavras contra a ditadura vigente. Isso mostra que Tancredo já se encontrava, antes
de 1982, em oposição aberta aos poderosos de então. E mostra a aproximação dele
com a Faculdade de Medicina, de tal modo que, durante o preparo de seu governo
estadual, solicitou dela subsídios nas áreas da saúde e da educação. Mais que
isso, no esboço de seu governo nacional, preparava profunda transformação na
educação e na saúde, a partir da experiência acumulada na mesma Faculdade.