João Amílcar Salgado

sexta-feira, 7 de julho de 2023

 

AMIGOS CÂNDIDOS

João Amílcar Salgado



Eu era aluno do curso médico e nosso instrutor discorria sobre candidíase. Perguntei quem criou o nome científico para este fungo?. Resposta: você está querendo muito de mim, por que quer saber isso? Então eu disse que o nome é um pleonasmo. Resposta: não sei nem o que é “pleonasmo”!... Desde criança eu me perguntava por que nosso caseiro se chamava Juca Cândido. Pouco depois descobri que na Vila havia os Cândidos ricos e os pobres, inclusive os quilombolas do Retiro chegaram a adotar tal sobrenome.  Na Faculdade fiquei fraternal amigo do João Cândido, colega negro, que veio a ser torturado pela ditadura e faleceu precocemente, em consequência dessa iniquidade. Mais prá frente, descobri outros Cândidos fora da Vila, a maioria ligada ao Sul de Minas. Acabei amicíssimo de um deles, apelidado exatamente de uma denominação carinhosa de Cândido, isto é, Cancando, meu ex-aluno e comparsa de várias façanhas, aliás irmão do Tavito, autor das canções “CASA NO CAMPO” (1972) e “RUA RAMALHETE” (1979), ambos de origem cassiense. Trata-se de gente que prima na nobreza, na ciência, nas letras, nas artes e na política: a) o lavrense barão de Cambuí, João Cândido, b) o enciclopédico zoólogo José Cândido de Carvalho, de Carmo do Rio Claro, c) o fabulista Malba Tahan que me encantou na infância com “O HOMEM QUE CALCULAVA” (1938) e d) meu amigo, o sociólogo Antônio Cândido, autor de “OS PARCEIROS DO RIO BONITO” (2001); estes dois são sulmineiros nascidos no Rio, e) o governador Hélio Garcia, filho do Júlio Garcia grande amigo de meu pai, f) Candido Naves, jurista, com parentesco com nossa família, g) Cânddo Mendes, político imperial,  h) o esplendoroso artista Cândido Portinari, nascido em região colonizada por sulmineiros, i) o notabilíssimo  mato-grossense Cândido Rondon e j) dois de origem lusa: José, homônimo do citado, autor magistral de “O CORONEL E O LOBISOMEM” (1978), e o dicionarista Antônio Cândido de Figueiredo. Por último, mas não os menores, “INÁCIO DE DENTES CÂNDIDOS” de Catulo (84-54 aC) e o “CÂNDIDO OTIMISTA PANGLOSSIANO” (1759) de Voltaire.

Magnífica figura humana, entre todos, é o fazendeiro nepomucenense Saturnino Cândido Garcia, frequentador assíduo da roda de nossa farmácia. Foi meu professor informal de ética, inesquecível em seu pensamento seguro sobre o comportamento humano, no que foi verdadeiramente fidalgo, muito mais que seu parente fidalgo, e mais sábio que moralistas oficiais, como Voltaire. Deveria ter tido a longevidade de seu aparentado e homônimo espanhol, Saturnino Garcia de la Fuente, que, pelo livro Guinness, faleceu aos 112 anos

domingo, 2 de julho de 2023

 


SÉRGIO ALEXANDRE E DEMÓCRITO

João Amílcar Salgado

Demócrito (460-370 aC) é consagrado na medicina e na filosofia, sendo célebre por defender a terapia pelo riso. Heráclito (540-470 aC), por outro lado, não era médico, mas como filósofo, também muito celebrado, chorava sem parar. Bramante (1444-1514) representou um chorando e o outro rindo. Antônio Vieira (1608-1697) disse: “Se Demócrito era um homem tão grande entre os homens, e um filósofo tão sábio, e se não só via este mundo, mas tantos mundos, como ria? Poderá dizer-se que ele ria, não deste nosso mundo, mas daqueles seus mundos. ... A matéria de que eram compostos os seus mundos imaginados, toda era de riso. É certo, porém, que ele ria neste mundo, e que se ria deste mundo. Como, pois, se ria ou podia rir-se Demócrito do mesmo mundo e das mesmas coisas que via e chorava Heráclito? A mim, senhores, me parece que Demócrito não ria, mas que Demócrito e Heráclito ambos choravam, cada um a seu modo.”

Há o relato de que os moradores de Abdera prezavam por demais seu incomparável clínico Demócrito. Passou por ali outro exímio médico, Hipócrates (460-377 aC), a caminho de debelar uma peste. Pediram a este que examinasse seu colega, pois suspeitavam de que estivesse louco, pois insistia em usar a terapia do riso como panaceia. Depois do exame, o visitante disse “que loucura que nada!, eu era fã dele, agora mais ainda - e vou passar a aplicar como meu seu aforismo:- SE ESTÁ DOENTE, RIA, QUE A CURA SERÁ MAIS RÁPIDA; SE NÃO ESTÁ DOENTE, RIA PARA CONTINUAR SADIO”. Lamentavelmente em conventos e em escolas, o riso chegou a ser considerado pecado ou loucura.

Tudo issso significa tremendo elogio aos médicos humoristas, como Osvaldo Costa, Ângelo Machado, Jota Dângelo, LOR, Julio Anselmo, Wilson Abrantes, Adelmar Cadar, Cancando, Valênio Perez,  Gilberto Lino, João Cândido, Jairo Guerra, Ernesto Lentz, Antônio Dilson Fernandes, Cláudio Sales, Sebastião Gusmão, Luiz Eduardo Gonzaga, Luiz Gonzaga Carvalho, Geraldo Barroso, José Silvio Resende, Carlos Alberto Barros Santos, Rubens Simões, Paulo Madureira, Lúcio Almeida, Zé Boid, Filadelfo Siqueira, Paulo Pimenta, Nelson Lobo, Edward Tonelli, Manoel Jacy,  Décio Lourenção, Rubem Ribeiro, Carlos Amílcar, João Vinícius, Maurício Martins, Pedro Nava, Rabelais e tantos outros. Muito me honra estar nesta refinada companhia. Aproveito para lembrar um colega admirável pela habilidade cirúrgica e pelo singular senso de humor: Sérgio Alexandre da Conceição, meu companheiro no estudo da doença de Chagas.  Seus livros: NOSOCÔMICO (1997), NOSOCRÔNICAS (2009), NOSOCASOS (2017), REMINISCÊNCIAS (2023) e outros para breve. São muito bem escritos e indesgrudáveis. Com eles, nosso Sérgio ocupa definitivo lugar de honra na linhagem de Demócrito.

quinta-feira, 29 de junho de 2023

 



CARLOS AMÍLCAR SALGADO NA OPAS-OMS

 

Terminamos hoje, 27/6/23, o I Seminário de Atenção Especializada, organizado pelo Ministerio da Saude. Com o apoio da OPAS e em parceria com o CONASS E CONASEMS, discutimos pautas importantíssimas para o SUS. Estiveram conosco pessoas ilustres, especialistas em gestão pública, sanitaristas renomados e grandes pesquisadores das principais universidades brasileiras. Contamos ainda com a participação de representantes de sistemas de saúde de outros países que compartilharam suas experiências e abrilhantaram ainda mais o nosso evento.

quarta-feira, 21 de junho de 2023

 

TIME DA VILA COM SOFREU E GELEMIA

João Amílcar Salgado

A Vila é campeã de apelidos e é o único lugar que teve dois craques denominados SOFREU e GELEMIA.  Exibo aqui ambos, ao lado de outros, para que todos sejam identificados. O Sofreu foi nosso estimado sapateiro e o Gelemia foi meu colega de peladas no recreio do grupo-escolar. O pai deste, João Rosalino, por sua vez, foi nosso fornecedor de picolé e sorvete, como balconista do Bar do Michel Mansur. Segundo o barbeiro Malico, ele se imortalizou, quando exterminou a lombriga-de-coleira expelida pelo repórter Valdemar.

domingo, 18 de junho de 2023

 


ANTÔNIO DA CUSTÓDIA

João Amílcar Salgado

Em meu livro “O RISO DOURADO DA VILA”, relato três episódios referentes ao Antônio Afonso, esposo da Custódia, muito amiga de minha mãe. Ele era dono de pequena venda de secos e molhados e em qualquer matança de capado em nossa horta, uma das bandas era disputada por ele e pelo rival vizinho, o João Antunes. Em direção a nossa casa, o Zé Veiga se aproximava, parecendo querer dizer algo importante, mas meu pai o interceptou perguntando: “Foi bom cê chegar, estou apertado, precisando saber qual é o nome da mulher do Antônio da Custódia”. – “Ora, Sargado, sou homem ocupadíssimo com meus negócios, lá vou saber o nome dessa mulher!” Isso muito nos divertia e a pergunta era repetida a outros passantes, fato que influenciou o garoto Zeca do Sargado. Ele e eu vendíamos peras pela cidade. Na porta do Antônio meu irmão perguntou: “ô sô Antonio da Custódia, qué comprá pera?” O homem grande e gordo retalhava uma banda, apontou enorme faca pro Zeca e gritou: “Ô minino, meu nome é Antônio Afonso, oviu? some daqui!”. Só mais tarde descobri que meu pai e o Zeca foram injustos com o bom homem. Eu mesmo achava esquisito um prenome no lugar de sobrenome e, na verdade, não era nada disso. Afonso é um sobrenome histórico de nobres ibéricos e deveria ser referido com a cerimônia desfrutada por qualquer fidalgo, apesar de seus escândalos. Vejam meus textos sobre os Correas, Afonsos e Garcias, nos quais me refiro a Afonso 6º (fratricida), o primeiro monarca espanhol, e Afonso Henriques, trineto bastardo daquele e o primeiro monarca luso.

sexta-feira, 16 de junho de 2023

 


A VILA E A AVIAÇÃO

João Amílcar Salgado

            Nepomuceno tem ligação interessantíssima com a aviação. Para começar, Santos Dumont, o inventor do avião, tem parentesco com os Ribeiro daqui. Na guerra mundial, no telhado do grupo escolar foi escrito NEPOMUCENO, para ser lido no patrulhamento aéreo. Há a lenda de que o campo de aviação construído na fralda de nossa Serra de São João teria sido impulsionado pelo nepomucenense Chico Negrão de Lima. Isto porque sua esposa Ema cultivava um pavor doentio da poeira vermelha, afinal responsável pelo apelido de os bunda-vermeia atribuído aos locais.  Sim, a ilustre Ema abominava o perigo de, na viagem ao lugar, ficar com as nádegas rubicundas.

Este aeródromo gerou outras consequências: 1) seu terreno veio da família Veiga e vários deles se tornaram admirados aviadores: o cientista João Batista Veiga Sales foi piloto esportivo e paraquedista, seguido por seus primos, o brigadeiro da aeronáutica Adalberto de Rezende Rocha e o piloto comercial Helvécio da Veiga Rezende; 2) o espetacular salto de paraquedas do Lair Rolino; 3) o também sensacional salto de guarda-chuva pelo jovem Mudinho (Jorge Mudesto), ao imitar o Lair; 4) a queda, incólume, do alto de sua longa escada, sofrida pelo pintor Caco (Joaquim Militani), no susto pelo voo rasante de um dos citados aviadores; 5) a construção de um helicóptero no quintal do inventivo José Fernando Pedro; 6) o engenheiro José Barati foi o primeiro a pousar aqui a passeio, no avião de um amigo; 7) o parentesco entre os Negrão e JK era promissor e a FAB cogitou de uma base aérea na Vila; 8) a linha de transmissão de Furnas condenou o uso da pista (premonição da morte de Marília Mendonça).  Além disso, ocorreram, perto daqui, fatos de grande repercussão: 1) o pouso de emergência de um monomotor NA, em Boa Esperança, em 1942; o oficial da FAB Eduardo Mendes, também incólume, foi recepcionado com um baile (!); 2) Tarley Vilela, na inauguração do aeródromo de Três Pontas, em 1956, saltou sem paraquedas de um voo demonstrativo e nada sofreu, sendo que mais tarde, no Pantanal Matogrossense, repetiu o feito num avião maior, saindo ileso. 3) o pouso de um caça F5 na estrada de Santana da Vargem a Três Pontas, em 1980, do qual ficaram famosos o habilíssimo piloto e o dono de velho fusca. 4) O engenheiro Júlio Ferreira Pinto, de Boa Esperança, deixou dramático diário, antes de falecer por inanição, após queda de avião na floresta amazônica. Para completar, anexos aos campos de pouso foram fundados aeroclubes e existiu uma oficina para aviões em Varginha, da qual ficaram célebres o mecânico Fritz e o genial marista francês Mário Esdras. E, entre 1956 e 60, a Aerovias-Real fez linha entre BH e Lavras, sendo eu um dos passageiros. Para coroar tantas efemérides, cito a formidável façanha do engenheiro nepomucenense José Soares Ferreira, graduado pelo ITA, guindado da fábrica de Itajubá para Marseille na França, como o mais experiente especialista brasileiro em helicópteros.

No plano astronáutico assinalo: 1) o Zico Miceno chegou, em vida, ao céu; 2) o campo-belense Aladim Félix, esposo da nepomucenense Tarsila Cardoso, foi o primeiro, neste planeta, a propor que os deuses eram astronautas, 3) um extra-terrestre teria desembarcado em Varginha, 4) o Joaquim Lucinda antecipou as Jornadas nas Estrelas, no uso do teletransporte quântico. Tudo isso está em meus livros “NEPOMUCENO – SÍNTESE HISTÓRICA” e “O RISO DOURADO DA VILA”. Esta mensagem homenageia as heroicas crianças resgatadas vivas da floreta amazônica colombiana no dia 9/6/23, 39 dias após desastre de avião.

domingo, 28 de maio de 2023

 



A AGRESSÃO A VINÍCIUS JR SE SOMA A TRAGÉDIAS

João Amílcar Salgado

            O fascínio que a Espanha exerce sobre o resto da Europa e do mundo é composto de ingredientes incrivelmente belos e de episódios incrivelmente trágicos. O que aconteceu ao extraordinário craque Vinícius Jr é uma tragédia espanhola exemplar.  De Fernando Cortez e da Inquisição a Francisco Franco e à Guernica, sobreleva o fratricídio inaugural de Afonso 6º. De Aranjuez à Lenda do Beijo sobreleva a sedução (ambígua, por francesa), de Carmen e do Bolero. Ambíguos também são a devoção morena, gitana e flamenca. A tourada, contra touros bravos negros, simboliza ibéricos nórdicos a sangrar dominadores bérberes, também negros. Uivar contra Vinícius Jr é gritar olé contra os ancestrais do magnífico atleta. Fui educado no culto, entre outros, a Salamanca, Cervantes, Teresa d´Ávila, João da Cruz, José de Anchieta, Cajal, Jimenez Diaz, Marañon, Rodrigo Vidre, Albéniz, Velázquez, Goya, Picasso e (espanhol adotivo) Hemingway. Tenho ascendentes galegos, sevilhanos e castelhanos, o que me autoriza a exprimir o mais entranhado asco por aqueles que, em vez de honrados antirracistas, se esbaldam em crime hediondo e reiterado contra os que supõem indefesos. Heróico Vinícius, imponha o silêncio aos vociferantes, recitando o “SONHO IMPOSSÍVEL”.

https://youtu.be/XduuNoqwE3w