João Amílcar Salgado

quinta-feira, 21 de julho de 2022

 


 

 

 

MINA DO PADRE VÍTOR EM TRÊS PONTAS

João Amílcar Salgado

O Parque Multiuso Mina do Padre Victor é considerado Patrimônio Cultural da cidade de Três Pontas. Localiza-se no Bairro Jardim das Oliveiras, com área de 81.318,45 m2. Foi delimitado como atrativo turístico e para atividades culturais. O acesso ao local é livre e se dá por grandes avenidas. Nele se encontra um manancial de água chamado popularmente de “Mina do Padre Victor”, tendo anexo pequeno “santuário” com a imagem do santo cônego. Os numerosos romeiros consideram que a água da mina é milagrosa, com poder de cura para múltiplos males. A tradição diz que o Cônego Victor, usava beber dessa água para matar a sede e refrescar-se, em seus deslocamentos, no atendimento aos fiéis. Os herdeiros da área cederam-no ao município desde que não seja privatizado ou destinado a fins lucrativos. O terreno tradicionalmente pertence à família Abreu Salgado e co-herdeiros. Esta família é intimamente ligada ao Padre Vítor. O primeiro biógrafo do milagroso sacerdote é o educador João de Abreu Salgado, batizado por ele, seu discípulo e compadre, autor de MAGNUS SACERDOS - CÔNEGO FRANCISCO DE PAULA VITOR (1946, reeditado em 2015).

 

sábado, 16 de julho de 2022

 


ANESTESISTA ESTUPRADOR

João Amílcar Salgado

Em 1886, Robert Louis Stevenson, notável escritor escocês, que não era médico, publicou o STRANGE CASE OF DR. JEKYLL AND MR HYDE, traduzido como O MÉDICO E O MONSTRO, popular no mundo, inclusive no cinema. Como historiador da medicina e por isso muito ligado a Edimburgo, cidade natal de Robert, estudo casos horripilantes ocorridos de fato e que o devem ter inspirado. O tema igual ou análogo prosseguiu através de personagens, entre outros, como DOUTOR KILDARE (1961) e O INCRÍVEL HULK (2008). Em 2002 foi descoberto que o médico Eugênio Chipkevitch,  ucraniano de família refugiada da União Soviética e diplomado pela USP, era um estuprador pedófilo em série, que estuprou dezenas de jovens pacientes, todos masculinos, sendo condenado a 114 anos de prisão. Em 2006 foi descoberto que o médico Roger Abdelmassih, paulista, diplomado pela UNICAMP, era um estuprador em série, violentador de incontáveis mulheres, que o procuravam por ser aclamado astro da obstetrícia avançada, sendo condenado a 180 anos de prisão. Em 2020, foi descoberto que o médico Giovanni Quintella Bezerra, fluminense, diplomado pelo Centro Universitário de Volta Redonda, anestesista obstétrico do Hospital da Mulher Heloneida Sudart, de São João de Meriti, estuprou um número ainda sendo levantado de parturientes anestesiadas, sendo que seus crimes, em série, não seriam revelados, caso não tivesse sido filmado adrede por telefone celular..

            Na UFMG, em 1971, a tentativa de sistematizar equipes mínimas de médicos para cidades do interior foi anulada por ingerência da associação dos anestesistas. Da inovação do ensino de 1975 constava a disciplina de técnica cirúrgica-e-anestésica. Até hoje não é ministrada a parte do ensino da anestesia, por dois motivos inacreditáveis: o coordenador designado reconheceu que desprezava a anestesia e não se dava bem com os anestesistas. Num dos esforços para resolver a questão, foi convocado o decano dos anestesistas, o notável Cristiano Alvim Pena, sumidade na área. Nada conseguiu e foi até ridicularizado. Pedi-lhe que aproveitássemos o que foi reunido e debatido e daí escrevêssemos um livro sobre a fascinante história da anestesia em Minas e no Brasil. O livro foi abortado porque o Cristiano exigiu eliminar os aspectos indecorosos de nossa crônica anestésica, censura que não aceitei.

 

segunda-feira, 11 de julho de 2022

 


HOTEL GLÓRIA

João Amílcar Salgado

Em 1963 o presidente do Brasil era João Goulart e foi então que o hotel Gloria entrou em minha vida. Os 2 melhores hoteis do Rio eram o Copacabana (fiquei num prédio vizinho) e o Glória, reservado ao congresso mundial de Medicina Tropical. O governo exagerou no requinte, a abertura foi no Palácio do Itamarati, seguido de coquetel na Hípica. Eu estava ali para participar dessa rara convenção, à qual compareceram as maiores celebridades cientificas, nelas incluidos pela primeira vez cientistas de países socialistas. Relatei isso em algumas publicações. Nos anos seguintes, fiquei desolado com o abandono do Glória, mas seu edifício, de 1920, o primeiro em concreto armado da América do Sul, parece que será recuperado. No intervalo das apresentações eu me deixava ficar à beira da piscina apreciando as beldades desfilantes. O café servido gratis pelo IBC era simplesmente delicioso e disputado. O local do hotal fora a mansão de um ingles, John Frederick Russel, primo de Bertrand Russel, meu ídolo  em filosofia. A propósito, quando estive nos estados do sul, pesquisei migrantes parentes de nepomucenenses. Levantei as famílias Lourençoni, Goulart, Marques, Pasqualotti, Lima, Salgado, Ferreira de Brito e outras. A família Goulart da Vila teria migrado para o Carmo, parte restando em Lavras.

Alguns de nós, naquela piscina, não .disfarçávamos a esperança de reconhecer por ali a Maria Teresa Goulart, que disputava com Jacqueline Kennedy o título de mais bela primeira dama mundial. A placidez deste devaneio contrasta com dois acontecimentos bem próximos: o assassitato de John Kennedy, no mesmo ano, e, um ano depois, a brutalidade do golpe de 1964.

 

 

domingo, 3 de julho de 2022

 


MÁRCIO SALVIANO VILELA – INVEJO ESTE PRIMO

João Amílcar Salgado

            O Márcio pertence ao ramo inicial dos Alves Vilela, procedente da Fazenda Bom Jardim, em Santana do Jacaré, mas nasceu em Ribeirão Vermelho, de família de Candeias. Agrônomo pela UFLA, vive lamentando a perda das florestas lindeiras do Rio Grande, antes habitadas pelos índios, cujo sangue teria tingido seu ribeirão nativo. Vegetavam como parte de pujante mata atlântica: à esquerda, a floresta da Serra da Bocaina e, à direita, a floresta da Serra do Senhor Bom Jesus, mais tarde denominada Bom Jesus dos Perdões, sendo controversos tais perdões. Li seus livros EMENTÁRIO DA HISTÓRIA DE RIBEIRÃO VERMELHO (2003) e A FORMAÇÃO HISTORICA DOS CAMPOS DE SANTANA DAS LAVRAS DO FUNIL (2007). Sua pesquisa me espantou pelo escrutínio beneditino de preciosas informações garimpadas. Êta Vilela dos bons!!!

            Bem antes de conhecer o Márcio, me ocupei de Ribeirão Vermelho. Estávamos discutindo como criar um sistema público de saúde e um de universidades públicas para o futuro governo Tancredo Neves, quando lembrei aos colegas que entre os primeiros atos dele seria estender a maria-fumaça Tiradentes - São João até Ribeirão. Esclareci que Tancredo ainda moleque era clandestino habitual do trecho.

quinta-feira, 30 de junho de 2022

 


MANOEL FIRMATO DE ALMEIDA

Aventuroso triunfador na vida e na arte

João Amílcar Salgado

            Manoel Firmato teve a sorte de nascer de um pai notável e de ter-se formado numa época em que o Brasil era feliz. Ele se graduou na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais em 1957, ano de que me lembro bem. Eu era terceiranista e Kubitschek cumpria o terceiro ano de seu governo federal: estávamos nos anos dourados.

            Se Firmato se der o vagar de escrever suas memórias, teremos novo Nava, e um Nava cirurgião, o que nos falta. E, tal como aquele, começaria por nos dizer a saga de seu genitor. Antônio Firmato, pai de Manoel Firmato, é caso raríssimo de médico geral que enfrentou com alto brilho os desafios oferecidos por área endêmica de várias doenças chamadas tropicais. Em qualquer país adiantado, este patriota audaz já teria mais de uma biografia, com estudo detido de suas realizações. As notícias dele que nos chegam fazem parecer que ele decidiu desdizer o primeiro aforismo hipocrático: para tantas e tão extensas façanhas até que a vida não lhe foi tão breve assim.

Seu caso é mais extraordinário pelo fato de que, tendo um sem número de afazeres, achou tempo para a pesquisa científica de alta qualidade, como se pode ver pelo livro que publicou, em colaboração com César Pinto: SCHISTOSOMIASIS MANSONI NO BRASIL, 1948. Ao mesmo tempo propôs e ele próprio efetivou vários serviços na área do saneamento e da assistência médica, numa época em que o Vale do Mucuri era um sertão inacessível e desanimador.  Seu exemplo, como o de Carlos Chagas, mostra que o médico que o Brasil verdadeiro exigia para resolver seus verdadeiros problemas era o profissional versátil, capaz de devotada inclinação comunitária.

            O filho Manuel, ainda sextanista, partiu para o sertão em auxílio do pai, substituindo-o, com igual competência, nos compromissos com aquela gente. Com isso protagonizou um INTERNATO RURAL avant la lettre em 1958, vinte anos exatos antes da criação desta inovação educacional em sua Faculdade. Quando decidiu ir para os EUA, levava consigo a mesma flama paterna, que surpreendeu os ianques.

            Ali se submeteu ao internship rotatório, mas, após o primeiro ano, surgiu nova legislação que exigia do médico estrangeiro ser aprovado no exame preparado por The Educational Council For Foreign Medical Graduates. Nas palavras do Manuel, nossa Faculdade, por intermédio dele, se saiu muito bem nessa prova. A seguir submeteu-se a três anos de residência médica em cirurgia geral. Ao término, o professor Tague Chisholm, seu visível admirador, propôs que, se quisesse especializar-se em cirurgia pediátrica, o recomendaria aos chefes que escolhesse. Escolheu para mestre Mac Parland, a partir de quem recebeu do Boston Floating Hospital For Infants and Children o certificado de Fellow em Cirurgia Pediátrica (1963 e 64). Em seguida, fez ainda residência no St. Christopher´s Hospital for Children, pelo Departamento de Pediatria da Escola de Medicina  da Temple University de Philadelphia (1964-65).

            Com toda essa plenitude de qualificação, só poderia ser recebido de braços abertos em qualquer serviço médico e em qualquer parte do mundo. Pasmem, pois ao contrário, retornando a Minas, recebeu portas na cara. Os hospitais da Previdência Estadual, da Santa Casa e da Baleia não julgaram convincente o sobredito curriculum vitae. Que sumidades eram estas, para tão escandalosa esnobada ou para tão acintosa demonstração de despeito?

            Seu pai, contristado diante de tal provocação, deve ter pensado: essa gente só entende uma linguagem, a linguagem lá deles, então, não é meu hábito, mas vou falar e agir conforme o dialeto em que conversam. Logo o provedor Alkmin nomeia Manoel para a mesa diretora da Santa Casa - tapa de luva que significou: vai lá ser chefe dos que o vetaram. E o Hospital da Previdência recebeu - não de alguém do terceiro escalão do Estado -  mas do próprio Israel Pinheiro, sua designação para o corpo cirúrgico do Instituto. Em seguida, Lucas Machado o designa professor de cirurgia pediátrica na Faculdade de Ciências Médicas.

            Na aula comemorativa do centenário de sua Faculdade, para a qual foi convidado como ilustre ex-aluno para falar sobre sua vida e sua carreira, ele foi saudado por nada menos que Enio Leão. Era o maior de nossos pediatras clínicos a receber o maior de nossos cirurgiões pediátricos. Foi comovente ver ambos relembrarem a cooperação que tiveram no início de suas realizações, hoje memoráveis.

            Manoel Firmato, hoje se encontra consagrado como um artista, que é uma espécie de Miguel Ângelo às avessas. É campeão internacional em cirurgia de siameses e, em sua magna aula, fez úmidos ali muitos olhos, pela ternura - paradoxalmente aliada à dureza - com que optava por salvar pelo menos uma de duas crianças nascidas unidas. Um desses olhos úmidos era de seu querido colega da viagem de estudos aos EUA, Gilson Cota Barbosa, nosso primeiro cirurgião plástico a se especializar no exterior.

            Antônio e Manoel Firmato são belo exemplo de pai e filho médicos, em que o filho, em vez de seguir estritamente os passos do pai, ornou as notáveis realizações deste com suas próprias e inéditas realizações. Quando o Brasil aprender a reconhecer heróis de verdade, os Firmato serão dois incontestáveis nomes a serem reverenciados no panteão da medicina nacional.

 

            [Em 2015, Manoel Firmato aceitou minha sugestão e escreveu o livro O MENINO QUE VIROU GENTE. Estudo a provável ligação entre os Almeida e os Antunes sulmineiros e os do nordeste-norte mineiro e da Bahia]

quarta-feira, 29 de junho de 2022

 


INCÊNDIO NA SANTA CASA DE BH

João Amílcar Salgado

Em 1971, Delcides Baumgratz era dirigente do Hospital das Clínicas da UFMG e responsável pelo curso de administração hospitalar. Sugeriu para minha monografia final o tema salubridade hospitalar.  Na apresentação comecei dizendo que, por sua finalidade, cabia ao hospital ser a instituição mais salubre de todas. E não era bem isto o que ocorria. Esta monografia e meu discurso de orador da turma, segundo César Barros Vieira, estavam na vanguarda da abordagem ecológica da questão. Um aspecto que apontei foi o risco de incêndio e outras tragédias, na escolha da ocupação dos andares em hospitais verticais, principalmente em mega-edificações. Mostrei que em nosso hospital o critério para localização do CTI - o primeiro completo no Brasil - foi o prestígio do professor que exigiu o 4º andar, local de sua cátedra, em vez do andar aconselhável, que era o 2º. O pior é que o andar mais alto era ocupado pela ortopedia, em vez do 3º.  Os catedráticos respectivos, adeptos da ditadura (estávamos sob o arbítrio do ditador Médici), desaprovaram meu texto, tachado de inconveniente, o que causou seu abafamento, inclusive o veto à publicação em periódico.  Ontem, 27/6/22, ocorreu o incêndio do CTI de nossa Santa Casa, com trágicas cenas e três mortos. Encontra-se localizado no 10º andar do gigantesco edifício.

Entre alguns historiadores, consta que Ademar de Barros era governador de São Paulo e exigiu que o hospital da USP fosse a réplica da Charité de Berlim, onde estudou – e esta é o primeiro hospital universitário de clínicas do mundo. A Charité tinha sido a Santa Casa da cidade, fato indicado em seu nome. Daí que a Santa Casa de BH decidiu ser reerguida como outra réplica.  E a moda faraônica se estendeu à UFMG e à UFRJ (ilustração anexa). O maior arquiteto hospitalar do Brasil é o mineiro Jarbas Karman, que discorda de mega-edificações, sendo o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, exemplo de sua lavra.

 

 

sábado, 25 de junho de 2022

 


BAETA VIANA, O ZEBU, A SOJA E A FOME

João Amílcar Salgado

No auge do zebu o cientista Baeta Viana foi padrinho de casamento de um ex-aluno em Uberaba. Os pais do noivo lhe exibiram orgulhosos sua boiada campeã. Na conversa, elogiou tudo aquilo, mas observou que criar zebu era um erro bioquímico. Disse à perplexa fazendeirada que usar capim para obter carne pode ser substituído por um vegetal diretamente equivalente à carne. Perguntaram: e isso existe? Ele respondeu: a soja, então ainda quase desconhecida no país. Décadas depois os pastos foram ali substituídos por gigantescas lavouras de soja. Décadas depois os bois confinados eram engordados com soja. Hoje, muitas décadas a mais, a espezinhada, humilhada e abandonada maioria da população brasileira se encontra em fome endêmica, já também epidêmica, e faz fila pra comer osso de zebu.  Enquanto isso, a soja do Brasil, maior produtor mundial, é exportada para ração animal do mundo inteiro.