João Amílcar Salgado

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

 


ANTENOR CORREA LIMA – MEU MAGNÂNIMO PRIMO

João Amílcar Salgado

Nos anos dourados, em 1946, Israel Pinheiro (filho do governador e admirável educador João Pinheiro), futuro gestor da construção de Brasília, era secretário da Agricultura, Indústria, Comércio e Trabalho de Minas e tinha no arquivista Antenor Correa Lima seu braço direito. Dois estudantes interioranos, um vindo de Conceição do Mato Dentro e outro de Pedra Azul, respectivamente José Aparecido de Oliveira e Nuno Figueiredo Pinto, foram admitidos como estagiários na secretaria. O severo Israel determinou ao Antenor que vigiasse de perto a ambos, pois poderiam malandrar, com a desculpa de atividade escolar. Diante da rigidez do chefe, os dois confessaram ao subchefe que, para seguir seus estudos. teriam que pedir demissão. O Antenor os tranquilizou afirmando que o estudo estava acima de tudo. Mais tarde manifestaram várias vezes sua gratidão ao amigo. O jornalista José Aparecido brilhou ao lado de Magalhães Pinto e depois por sua vez foi braço direito de Tancredo Neves, tendo antes corrido alto risco por causa da perseguição da ditadura. Nuno correu o mesmo risco, mas acabou sendo a maior autoridade odontológica em lábio leporino no país. Quando recebi de Tancredo Neves a Medalha da Inconfidência, revelei ao Aparecido ser primo de seu generoso protetor e dele recebi emocionado abraço. Quando, no curso de História da Medicina da UFMG, apresentei o Nuno para que fizesse a aplaudida conferência sobre sua especialidade, lembrei que representava ali meu primo Antenor Correa Lima, seu magnânimo tutor.

Antenor é sobrinho de minha bisavó Dindinha – Mariana Regina Correa Lima. É também sobrinho e genro de Manoel Correa Lima, célebre por ter liderado a Proclamação da República em São Paulo, antes de Deodoro. Este feito foi muito bem documentado em SÃO JOSÉ DO RIO PARDO E SUA REVOLTA REPUBLICANA (2014) pela bisneta de Manoel, a excelente historiadora Liliane Correa Lima Pinto, mestre pela USP, doutora pelo CPDOC-FGV e docente da universidade federal do Maranhão.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

 


OS DOUTORES RUBEM E DÉCIO

João Amílcar Salgado

A querida prima Elizaura me fez belo presente de natal: a foto dos doutores Décio e Rubem. Ambos foram meus mestres na medicina: ainda estudante, fui auxiliar do dr. Décio na anestesia, enquanto o dr. Rubem operava. Também tinham sido meus mestres no ginásio da Vila. E mais mestres que tudo isso foram como finíssimos humoristas. O RISO DOURADO DA VILA seria menor sem as hilaridades dos dois, ali relatadas. O primo Rubem foi colega de primeiras letras de minha mãe, Vange, e o primo Décio foi adotado por minha tia-avó, Eliza, quando perdeu a mãe, tia Nair. A tia Eliza era casada com o primo dela, tio Batistinha, e era irmã de minha avó Amélia. 

O doutor Décio me tratava com carinho paterno, desde a morte prematura de meu pai, por quem ele tinha verdadeira adoração. Eram irmãos gêmeos no humor. O médico Décio era tão fã da cultura médica do farmacêutico que o tinha como consultor, inclusive para si próprio. O sobrenome Lourençoni foi mudado para Lourenção, por causa das ameaças contra universitários de origem italiana, durante a guerra mundial. Era poliglota e me fez poliglota.

O doutor Rubem rivalizava, na oratória, com seus primos Marcílio Lima, Chico Negrão, Dario e Alice Lima. Poderia ter sido o orador de sua turma, mas a crise com o reitor levou a oradores acordados.  Quando soube que eu seria o orador na formatura, não poderia deixar de estar presente. Ao abraçar-me, disse: você me orgulhou muito, honrou a oratória da família e ainda mais por outra razão, me fez lembrar do orador de minha turma. Perguntei: como assim? Respondeu: é que o discurso foi igual ao seu, foi muito bonito, mas ninguém entendeu nada!!!... Indaguei: quem mesmo foi o orador? Resposta: o João Rosa

 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

 


FOTO RARA DO JÚLIO, DO TIÃO, DA CÉLIA E DA BILIA

João Amílcar Salgado

Esta foto é importante para mim porque traz dois de meus colegas de ginásio e duas amigas de infância e juventude, todos os quatro muito queridos. O JÚLIO PENHA foi meu colega e logo na primeira série se revelou excepcionalmente disciplinado, muito bom em nosso idioma e orador a qualquer pretexto. Seu dote é cultivado por irmãos e filhos e, em especial, pelo Julinho, nosso fraterno amigo. A oratória do Neca e de toda a família é característica de Penhas e Penas (famílias de mesma origem em Portugal). O SEBASTIÃO CARVALHO foi, ao lado da Julinha Miguel, do Gusa Felicori, do Alberto Vilela e do Aroldo Peixoto, meu comparsa de gargalhadas por 4 anos nessa turma, talvez a mais hilariante de todas. O inegável carisma do Tião e sua franca simpatia o poderiam ter levado à carreira política fora da Vila, não fosse sua modéstia incomensurável. A CÉLIA BOTELHO foi assessora decisiva dos melhores de nossos prefeitos, por longos anos. Dona de incomum inteligência, se fez inevitável autora de um capítulo de meu livro “NEPOMUCENO – SÍNTESE HISTÓRICA”. Já a BILIA representa a transformação radical da meninota valente na obstinada líder, última esperança dos mais humildes e de qualquer necessitado. Incansável para todo tipo de socorro, seu tirocínio político ficou famoso entre parlamentares da capital. Carlos Eloy me disse: a Bilia é o mais raro talento político que conheci. Restou inesquecível para mim sua alegria em dizer que seu filho Raul é o maior amigo de meu filho Carlos. A molecada de nosso tempo apelidou a Bilia de Biliô, referência ao valente ator de bang-bang, Bill Elliott. O Eloy, também admirador do Lívio, formou comigo pela UFMG, ele para advogado, eu na medicina.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

 O MEMORIAL QUE ESTAVA FALTANDO


João Amílcar Salgado

COMO UM BELO PRESENTE DE NATAL A BH E A TODOS NÓS, ACABA DE SER INAUGURADO NESTE DEZEMBRO DE 2024 O MEMORIAL FERNANDO SABINO

LOCALIZADO NO Mercado de Origem

Rua Adriano Chaves e Matos, 447 – Olhos d’Água

Oeste. 30390.552 BH

DOIS LIVROS DO FERNANDO, “O ENCONTRO MARCADO” E “O GRANDE MENTECAPTO” SÃO ABORDADOS NO MEU LIVRO “O RISO DOURADO DA VILA”. SÃO REFERIDOS INCLUSIVE NA ORELHA DA CAPA. TAMBÉM APARECE AÍ SEU IRMÃO GERSON SABINO. A ESPOSA DE FERNANDO, HELENA, FILHA DO BENEDITO VALADARES, É PARENTE DOS RIBEIROS DA VILA. ELE DEIXOU SEU EPITÁFIO: “AQUI JAZ FERNANDO SABINO, NASCEU HOMEM, MORREU MENINO” 



domingo, 15 de dezembro de 2024



 BASHAR E A BANDA-POBRE DA MEDICINA

João Amílcar Salgado

Como estudioso da história médica me é inevitável localizar o médico Bashar al-Assad na banda-podre da medicina. Quando programei, em nosso curso de história da medicina, uma aula intitulada “Médicos Criminosos”, um colega da Congregação da Faculdade me apareceu para desaprovar a iniciativa.  Lembrou-me que o Centro da Memória deveria primar por exaltar as grandes vitórias da medicina contra as doenças e a morte. Observei-lhe que eu criara este Centro, antes de tudo, para primar pela verdade e pela isenção. Assim, causaram impacto as monstruosidades perpetradas por médicos ao longo da história: manipuladores de venenos, alquimistas aliciados, caçadores de bruxas, a serviço da  inquisição, da escravidão, da Ku Klux Klan   do hitlerismo, dos fascismos italiano, japonês e do apartheid, da experimentação em cobaias humanas nos EUA, na Europa, na África e na Ásia,  da falsificação de doenças e remédios, dos executores de pena de morte e dos torturadores nas ditaduras em geral, bem como a avalanche do baixo e alto clero de mercadores travestidos de doutores  E, na introdução, acentuei que a banda-podre da medicina está embutida na origem antropológica do médico, traduzida, aliás, na novela “Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde” (1886), do escocês Robert Louis Stevenson (livro e filme citados em “O Riso Dourado da Vila” (2020).

O jovem sírio Bashar graduou-se médico em Damasco e, de 1992 a 1994, se especializou em oftalmologia no Western Eye Hospital de Londres. O irmão mais velho Bassel estava sendo preparado para suceder o pai ditador Hafez, mas faleceu em acidente em 1994. Bashar retornou para ser preparado para substitui-lo. O pai morre em 2000 e o substituto com 34 anos assume o poder. No início, o novo ditador falava de “transperência, democracia desenvolvimento, modernização, responsabilização e pensamento institucional” certamente por influência de sua recente esposa Asma al-Ahkras, egressa de Harvard. Com o tempo metamorfoseou-se num sanguinário déspota. A convivência universitária foi substituída pelas lições do guru Putin, que não teve dificuldade em usar a formação médica do discípulo para forjar tenebroso utilizador e armazenador de armas químicas e biológicas.

Trump, outro aprendiz de Putin, desafiaria Harvard em seu próprio quintal e por pouco não encarcerou o notável epidemiologista Anthony Fauci, aquele que aniquilou, com luminosa argumentação científica, seu negacionismo tresloucado, causador de muitas mortes, até hoje não totalmente contabilizadas. Para isso Trump contou com forte ala da banda-podre da medicina ianque. Um tirano pode ser negacionista, mas qualquer médico, para ser negacionista, tem de violentar-se dolorosamente, tanto em sua formação, como em sua consciência. Antes eu havia estudado este fenômeno no caso da escravidão. Desde meus bancos escolares jamais consegui entender como um sacerdote poderia ser senhor de escravo e, pior, perdoar os senhores de escravos. E meu “Mestrinho” Mário Esdras me disse: quando a má prática é institucionalizada, perdemos a capacidade de percebê-la. Foi assim que Putin teria ensinado a Bashar: não deixe de ser prolongadamente sanguinário, para que a coisa se institucionalize e no fim você será até santificado. Após a 2ª eleição do Trump, os neonazistas dos EUA sonham com isso para os próximos anos.


domingo, 8 de dezembro de 2024

 ASSASSINATO

 EM NOVA IORQUE

João Amílcar Salgado



O principal executivo de um dos maiores planos de saúde dos EUA, Brian Thompson, foi assassinado em Nova Iorque, em 4/12/2024. Nas cápsulas dos projéteis mortais estavam escritas palavras que são o título do livro DELAY, DENY, DEFEND (2010), escrito pelo jurista (já falecido) Jay Feynman. Quando esta obra foi publicada, causou enorme repercussão por documentar fortíssima denúncia contra empresas de seguro de saúde (HMO), denunciação, aliás, iniciada pelo notável documentário SICKO de Michael Moore, de 2007. Thompson, de 50 anos, geria a UNITED HEALTHCARE, fundada em 1977, que, no último trimestre, faturou 100 bilhões de dólares de 51 milhões de clientes.

Este homicídio me impactou especialmente porque, em 1986, estive nos EUA, onde entre minhas indagações estavam a dimensão e o papel dos planos de saúde, naquela época em expansão. Demais, dois anos antes, houve o escândalo do caso Baby Fae na faculdade  Loma Linda dos adventistas, enquanto, entre nós, iniciara-se a Golden Cross, plano de saúde pioneiro, inspirado na assistência a ribeirinhos, prestada por adventistas em Pirapora – daí competidora de nosso internato rural. Apesar da trajetória controversa da Golden Cross, nada impediu que seu fundador Milton Soldani Afonso, batizado adventista ao 15 anos, se transformasse, de menino nova-limense vendedor de doces, em um dos maiores bilionários do país. Antes de Baby Fae, eu próprio iniciei um livro sobre ética dos transplantes, a convite de Aparício Silva de Assis, que foi frustrado por tentativa de censura contra o esboço de meu texto.

Nos EUA, solicitei entrevista com algum dirigente da Kaiser, fora da agenda. Uma médica, que tinha estado em nosso país, se prontificou a conversar, mas pediu sigilo. Perguntei se ela conhecia a Golden Cross e ela disse que sim e que a Kaiser acompanhava a pequena Golden Cross como estratégia para desembarcar no Brasil. Falei sobre a compra de faculdades de medicina e ela comentou que, quando chegasse ao Brasil, sua organização poderia comprar de uma só vez todas as faculdades privadas e forçar o governo a privatizar as públicas.

{Em tempo: o sobrenome Feynman coincide significar originalmente Salgado}. 


sexta-feira, 6 de dezembro de 2024


 FOME E DESEMPREGO EM QUEDA

João Amílcar Salgado

Honra indelével me liga ao Betinho e ao Henfil. Herbert José de Souza, o Betinho, era apenas dois anos mais velho que eu. Em 1950, sendo hemofílico, ficou tuberculoso, fato que atrasou seu estudo colegial e o fez meu contemporâneo no Colégio Estadual e na UFMG. Ambos estivemos atentos às doutrinações do dominicano frei Mateus (sobre Mounier) e do padre William Silva (sobre S. Tomás), pela JEC e JUC. Fui um dos que o lançamos para presidente da UNE, candidatura inviabilizada pela União Internacional dos Estudantes, entidade marxista, cuja sede era na Tchecoslováquia. Inspirei o Jarbas Juarez (quem me apresentou a seu discípulo, o Henriquinho, Henfil) a criar a SANTA CEIA DOS EXCLUÍDOS, com base na frase QUEM TEM FOME TEM PRESSA. Este lema foi adotado pelo Betinho, que o ouviu da octogenária negra Terezinha Mendes da Silva.   Betinho adquiriu AIDS em 1986, por transfusão de sangue, e faleceu em 1997.

Agora, no Natal de 2024, recebo a grata notícia de que o desemprego no Brasil caiu a 6,8%, a menor taxa da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).  Em 2014, o país tinha saído do mapa da fome e voltou a nele entrar de 2019 a 2022. Em 2023 começou a sair. Em 2024 está bem próximo de distanciar-se definitivamente desta trágica cartografia. 


sexta-feira, 22 de novembro de 2024

 VIDAS ENTRELAÇADAS DA DONANA












João Amílcar Salgado

Jurgen Moreira Behring é meu ex-aluno e amigo muito especial por ser um clínico comunitário, ecologista e historiador. Presenteou-me com um livro adorável: “DONANA – VIDAS ENTRELAÇADAS” (2015), de sua avó Rosalina Moreira das Mercês. Os lindos olhos azuis da Donana provavelmente vêm de Evreux, França, ou seja, dos Abreus, iguais aos olhos azuis de meu avô João de Abreu Salgado. Tão grato quanto isso é saber que a Donana nasceu em Xopotó, nome delicioso que prefiro para designar a cidade de Cipotânea. Além de parente de minha querida dentista Elisangela de Abreu, cuja alta competência reúne amor e humor, Donana é comunícipe de meus colegas médicos e historiadores Geraldo Barroso e Luiz de Carvalho, ao lado dos quais é forçoso incluir o fantástico padre José Pinto Carneiro. Recomendo não só o livro “VIDAS ENTRELAÇADAS‘ como os livros, do Geraldo, “CIPOTÂNEA – UMA HISTÓRIA ALEGRE”, “REIS, PAPAS E LEPROSOS” e  “MEU SANTO PROTETOR” e, do Luiz,  “A HISTÓRIA CLÍNICA DE POETAS BRASILEIROS” e “HISTÓRIA DA ANATOMIA”.

Os Behring estão nesse entrelaçamento. E lembro que recebi, menino, soro antidiftérico, inventado pelo eminente cientista Emil Behring, em 1893, aplicado, em minha barriga, pelo notável clínico Bolivar Barbosa. Esta família prussiana se tornou mineira, imigrando para Viçosa. Além dos Abreus, uniu-se aqui aos Bernardes, outro ramo de origem francesa, também presente em Nepomuceno. Por outro entrelace, lembramos que o ramo Campolina, do esposo da Donana, é ligado aos Vilela, Ribeiro e Resende, tradicionais nepomucenenses. Em adição, a família se liga aos Procópio e aos Espínola, também da nossa maior estima. 




 GERALDO MARCELO LEMOS GONÇALVES E SUAS RAIZES, CAULES E FRUTOS

João  Amílcar Salgado

Os mineiros descendemos dos índígenas caiapós que apelidei de índios oradores e assim, ao lado do maravilhoso pregador Santo Antônio, explicam o brilho dos oradores nepomucenenses. Os mineiros também são renomados memorialistas e memorialista em Minas significa orador de outra forma. Já os historiadores oficiais de Minas são memorialistas envergonhados, como observei a Pedro Nava, vergonha que explano em outro lugar. Digo tudo isso diante do excelente livro MINHAS RAÍZES, MEU CAULE E MEUS FRUTOS de Geraldo Marcelo Lemos Gonçalves. Se cada família mineira exibisse um livro como este, seríamos detentores de inexcedível patrimônio cultural. Sim, Minas prima por gratas surpresas como esta, quando encontro um autor de fino humor, lapidado como ágil ironista e como requisitado orador. Basta isso para comprovar, à plena, a verdade tão mineira da múltipla riqueza de nossas letras.

Geraldo é dentista, como tal é colega de Tiradentes e é diplomado na faculdade criada em Diamantina por JK. No centro de Memória da Medicina demonstramos o erro de designar Tiradentes como dentista prático, pela simples razão de que naquela época não havia o ensino formal da odontologia, nem no mundo nem aqui. Na verdade, a cidade natal deste médico receberia uma faculdade de medicina, mas a classe médica era udenista e o impediu. Pedro Paulo Penido, o dentista amigo do diamantinense, desde o túnel de Passa-Quatro, propôs substituir a medicina pela odontologia. No projeto do governo federal de Tancredo fiz incluir o curso de medicina negado a JK, ideia só recentemente concretizada.

A militância maçônica do Geraldo é oportunidade para que eu faça uma homenagem a Jorge Lasmar, citado em meu livro O RISO DOURADO DA VILA (2020). Conheci-o dirigente do Instituto Histórico e descobri que era primo dos Lasmar de Nepomuceno, além também de líder maçônico. Matei velha curiosidade, quando, através de sua autoridade, levou-me ao recinto recluso dos maçons. A ocasião era muito propícia, pois o Centro de Memória da Medicina, representado pelo notável pesquisador Paulo Gomes Leite, iria revelar ali fatos inéditos da maçonaria ligados à Inconfidência. 


segunda-feira, 18 de novembro de 2024

 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DE CARMO DA CACHOEIRA


João Amílcar Salgado

No rastro de Francisco Bueno da Fonseca, Manuel da Costa Vale, Luiz Gomes Salgado, André Martins Ferreira e Maria de Souza Monteiro, os 5 de origem judaica, egressos da região lusa entre Braga e Porto, que aqui chegaram atraídos pelo ouro das Lavras do Funil, vieram as familias Rattes, Branquinho, Gouveia, Gondins, Reis, Caldeira e Ximenes, de origem semelhante.  Estes vieram para lugar deserto, ou seja, não ocupado por aqueles, o qual veio a ser Carmo da Cachoeira. A múltipla tentativa de registrar a história local produziu documentos considerados insatisfatórios, até que Luiz Eduardo Vilela de Resende (Vilela como eu) começa do começo, ou seja, faz a revisão crítica desde os fatos que antecederam a formação da cidade. Seu livro A HISTÓRIA QUE ANTECEDEU CARMO DA CACHOEIRA (2023) é gratíssima surpresa para os historiadores de nossa região.

Desde meus tempos de colégio em Varginha conheci amigos cachoeirenses, a começar pelo ex-seminarista José Ferreira, professor no ginásio de Nepomuceno, e pelo excelente violonista e campeão de sinuca Chancha, que veio conosco para a Capital. Meu ex-aluno e ex-estagiário Francisco Caldeira Reis foi encaminhado por mim ao Canadá, donde voltou astro em pneumologia pediátrica, sendo meu parente pelo Caldeira. Alcebíades Viana de Paula, co-herdeiro das terras de João Urbano Vilela de Figueiredo e parente de meus filhos, foi meu companheiro em pesquisa etnológica e histórica, inclusive sobre os habitantes precabralinos de Carmo da Cachoeira. José Alvarenga Caldeira, meu querido Matinata, é notável ginecologista e expoente da ética médica. Chryso Duque de Rezende, colega de República, e seu pai Moacir Resende, são meus eternos amigos. Guardo, como gente estimadíssima, o nepomucenense João Otaviano Veiga Lima, primo de minha mãe, e os primos Veiga Lima.

Os fatos históricos relacionados a Carmo da Cachoeira registrados em meus textos têm um fascínio todo especial: a fazenda Salto de meu colega de turma Fábio Araújo Reis, sendo que a fazenda e ele com seu pai (também médico, Osvaldo Campos Reis, contemporâneo de meu pai no Colégio Santo Antônio de S. J. del Rei) merecem cada qual um livro, as legendas dos Mandiboias, dos quilombos Gundum, Boa Vista, Chamusca e outros, do Sete Orelhas, do Mingutinha, dos Justiniano dos Reis, do mesmo João Otaviano, da raça Mangalarga (a partir das éguas marchadeiras veadeiras selecionadas na indústria primordial do Couro do Cervo), da epidemia de varíola, do cemitério de escravos e da seita de charlatanismo médico. Aproveito para denunciar a procrastinação criminosa da pista-dupla Três Pontas–Carmo da Cachoeira. Daí que o futuro livro da história cachoeirense será volumoso, tendo como capítulo inicial esta oportuna publicação do pesquisador-nato Luiz Eduardo.



sábado, 9 de novembro de 2024

 BH DOS ANOS DOURADOS: LEITERIAS CELESTE E TIROLESA

João Amílcar Salgado


Eu era terceiranista de medicina e desde o vestibular sempre passava pela leiteria Celeste, quase em frente ao cine Metrópole. Era para beber, em vez de leite, vitamina de fruta, que era higiênica e gostosa. Os balconistas eram muito gentis e brincalhões, mas o caixa parecia ser filho do dono e estava sempre de cara fechada. Um dia pedi uma vitamina, como das outras vezes, e ele simplesmente disse: hoje não vou vender nada prá você, porque não vou com sua cara. Fiquei atônito, sem saber como reagir. Simplesmente saí dali pensativo, procurando uma explicação para aquela atitude. Por causa disso, voltei a frequentar a antiga lanchonete Tirolesa no edifício Dantês. No ano seguinte, eu estava no plantão do pronto-socorro, quando chega um acidentado por lambreta. Mesmo estando ele ensanguentado, deu para reconhecer o rapaz que não ia com a minha cara. Ele também me reconheceu e quis levantar-se da maca. Seus traumas não o permitiram e ele fechou os olhos, reabrindo-os parcialmente a seguir. Atendi-o muito bem, mas em silêncio. O Álvaro, quintanista chefe da equipe, se aproximou e disse: parece que já conheço este jovem. Respondi: ele trabalha na Leiteria Celeste, é meu amigo.

Acho que em 1963, houve um desfile de escolas de samba do Rio, na avenida Afonso Pena. Eu e minha namorada estávamos em ponto ótimo para apreciar o rebolado das mulatas. Depois da passagem de umas três escolas chegou um brutamontes entrão, também com uma companheira, e ficou na minha frente. A mulher disse a ele que estavam atrapalhando nossa visão. O mal-educado respondeu que os de trás mudassem de lugar. Daí passou a nos empurrar com as costas, para subir o pequeno degrau onde estávamos. Achei que aquilo era um desaforo e resisti. Ele então me deu uma bundada bem forte e se virou com o braço erguido para me atingir. A bundada no baixo ventre me fez agachar e com isso escapei da pancada que acertou o rosto de um vizinho bastante corpulento. O agressor e o atingido rolaram numa poça da sarjeta. Bem longe dali e bem escondidos de tudo, conseguimos ver o final de uma surra homérica, bem aplicada ao grosseirão.

A Tirolesa era da família Távora, de dois colegas e grandes amigos na medicina: Eduardo “Cabeludo” e Olímpio. Nos maristas fui contemporâneo e também muito amigo do Fernando Távora. Mais tarde estudei essa gente, ligada aos Ferreiras da Vila.


terça-feira, 5 de novembro de 2024

 BODAS DE OURO DE PEDRINHO E IVANILDE

                                                                                João Amílcar Salgado

segunda-feira, 4 de novembro de 2024


 DO APÓSTOLO MARCOS AO ZÉ-LIGRIA

                                                                            João Amílcar Salgado

    Segundo Marcos, Jesus abençoou cinco pães e dois peixes, os quais multiplicou aos milhares, a ponto de alimentar 5000 pessoas. Já Santo Antônio distribuiu furtivamente aos pobres todos os pães do convento. O frade-padeiro deu pelo sumiço e comunicou que naquele dia não haveria pão. O santo pediu que conferisse melhor e o religioso se maravilhou com a grande quantidade encontrada onde, pouco antes, nada havia. Enquanto isso, na Vila, estávamos no café da tarde e a porta da copa estava como sempre aberta. Aparece o Zé-Ligria e meu pai pergunta “que deseja?” - Só vim pidi um pedá de pão – - Pão não tem! – Bigado... (e foi saindo) - Espere, pão não tem, mas tem pão-de-ló e broa..., qual cê qué? – Heim? Uai... carqué tá bão, uai!. Ele recebe uma roda de pão-de-ló, outra de broa  e meia rosca-da-rainha, que lotaram seu embornal. Ficou tão comovido que parou de rir e o surpreendemos rarissimamente sério. 

Deram-me uma foto do Ligria puxando o cego Avelino por um cabo de vassoura. Guardei a figura tão bem que está desaparecida... O notável artista Edson Brandão fez um retrato imaginário do Aleijadinho e me perguntou: ficou bom? Respondi: você acabou de desenhar o Zé-Ligria, com cara de dor!; por favor, redesenhe-o rindo...


terça-feira, 29 de outubro de 2024

 


IZAO CARNEIRO SOARES

Erudito e romântico cultor da história da medicina

João Amílcar Salgado

 

O médico Izao Carneiro Soares é exemplo definitivo da eficácia dos congressos de historia da medicina promovidos anualmente desde 1997. Sem isso não teríamos possibilidade de sequer ficarmos sabendo da existência e das atividades desta notável figura da medicina brasileira. Ele criou em Ribeirão Preto, SP, o museu Abrahão Brickmann e o Instituto Homeopático François Lamasson. Logo em nossos primeiros encontros percebemos nele a satisfação de verificar  a ausencia de preconceito dos historiadores da medicina para com a homeopatia. Ao contrário, observou que nosso apreço é igual por todas as correntes da medicina, senso lato.

De sua parte também ele conquistou a todos por sua erudição e por sua alma de artista. Só de ser homeopata, esperantista e museólogo seu perfil romântico está plenamente confessado. Seu trabalho sobre a biografia e a autobiografia de  Samuel Hahnemann é consulta obrigatória para qualquer estudioso da medicina européia do século 19. Teve acesso a preciosos documentos e visitou cada lugar da vida do fundador dessa corrente homeopática, que sempre deve ser estudada em comparação com outras correntes homeopáticas, sobretudo as não-européias. 

Outro dote deste homem incomum é o musical. Sua voz de cantor é similar à de Nelson Gonçalves, sendo fã incondicional de Noel Rosa. Em 1910, em Patos, MG, ele homenageou os cem anos do ex-estudante de medicina Noel, que sendo Rosa, tem parentes em Minas. O genial sambista chegou a morar com uma tia em Belo Horizonte, onde tentou curar sua tuberculose, que o matou aos 27 anos.

Isao nos propôs um estudo do possível parentesco  entre Noel Rosa e João Guimarães Rosa, sendo que Noel começou a estudar medicina no ano seguinte à formatura de João em 1930. Ouçam o doutor Isao cantando um samba de Noel, composto sob inflencia do curso de anatomia, no qual mistura artérias e veias:

 http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=non-AulSGwU#t=131

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

 


MEU ASSESSOR QUILOMBOLA

Em meu estudo dos quilombos de Nepomuceno, os três que me marcaram desde a infância foram o da Bacia, o da Bárbara e o do Retiro. No primeiro, o retireiro chefe Bernardino era aquele que me enchia o copo de leite, ao pé da melhor vaca, a Tiana é a que me servia o “de cumê” e a jovem Pequena é que me pageava. Do segundo, eu ouvia, nas noites da Trumbuca, os atabaques comandados pelo chefe Lolão Do terceiro, vinha o cargueiro de jabuticabas gigantes que o Jagunço Chefe-de-Congado reservava com carinho pro Sô João Sargado. O verdadeiro Retiro me veio do Miguel e do Toninho. Adiante fui ficando cada vez mais dependente do Pedro Cirino de Oliveira, a ponto de promovê-lo a assessor permanente. O dia-a-dia da Bárbara, as plantas e os passarinhos – tudo isso ele me delatou. Adotei em plenitude sua reverência a seu avô, o sábio Lolão. Que conversas infindas não teria eu com esta figura maior da história de nossa Vila, a qual só não alcancei por capricho do destino.

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

 


LANÇAMENTO NA UFMG DE “A PACIENTE BERENICE DA DOENÇA DE CHAGAS”

João Amílcar Salgado

 O lançamento do livro “A PACIENTE BERENICE DA DOENÇA DE CHAGAS” na UFMG, em 17/10/24, foi muito prestigiado e dele fez parte a homenagem a Jarbas Juarez, autor, junto com João Vinícius Salgado, de preciosas ilustrações da obra. Também foi demais elogiada a bela capa de autoria da arquiteta Ana Luiza Machado Salgado. Esta e sua irmã, a advogada Thaís Machado Salgado, duas lindíssimas netas do autor, deram um show de elegante recepção a todos, em apoio à professora e dirigente da OAP Magda Veloso e à jornalista Leila Lobo Faria.. O evento foi também alegre oportunidade de reencontro com colegas, amigos e parentes.  O livro pode ser adquirido pela Amazon e pela  Coopmed.

 

terça-feira, 22 de outubro de 2024

 


PROJETO PÃO DO POVO ANTECEDIDO PELO PÃO DOS POBRES DE NEPOMUCENO

Em Nepomuceno, o doutor Juca (médico José Augusto de Oliveira Lima diplomado em 1911) integrou a Associação Beneficente PÃO DOS POBRES e foi o primeiro provedor da Santa Casa. O PÃO DOS POBRES foi fundado em 1908 por Francisca Custódio da Costa, Ana Idalina de Oliveira Lima, Alexandrina Custódio de Souza Costa, Maria de Paula Silva, Maria Elisa de São José de Lima, Clara Custódio da Veiga, Cristina de Resende Lima e Helena Alves do Espírito Santo. Daí resultaram a Santa Casa e logo a seguir as casinhas do Asilo, construídas em terreno doado pelo doutor Juca, atrás do qual ele doou lotes para famílias carentes e ainda construiu o campo de futebol dos “morenos”.  O asilo surgiu ali em torno da cruz erguida pelo padre João Tomás de Souza, em 1853.  A Santa Casa foi criada em 1916. O efetivador de fato do Pão dos Pobres foi o notável filantropo Joao Bernardes dos Reis. Sua incansável dedicação lhe valeu o apelido popular de João Pão. Em outubro de 2024, dois outros brasileiros Ricardo Frugoli e Carlos Augusto Monteiro são reconhecidos pela ONU por magníficas iniciativas ligadas ao pão.

Ricardo por seu projeto PAO DO POVO DA RUA alcançou o prêmio FoodHero 2024 da ONU, em Roma, por ter inventado e distribuir um pão que é macio, inclusive para desdentados, prolongadamente gostoso e excepcionalmente nutritivo. Já Carlos ficou célebre por seu estudo sobre a classificação alimentar em 4 grupos: 1) alimentos in natura e minimamente processados, 2) ingredientes culinários processados, 3) alimentos processados e 4) alimentos ultraprocessados.

O PÃO DOS POBRES nepomucenense está diretamente relacionado ao parentesco das principais famílias com a família ALVES BULHÕES  TAVEIRA, tronco luso do franciscano SANTO ANTÔNIO (nascido Fernando), o santo do pão. A Vila é o maior reduto de TONINHOS até agora conhecido.

 

domingo, 13 de outubro de 2024

 


ARMÍNIO FRAGA E CARLOS AMÍLCAR SALGADO

João Amílcar Salgado

O avô do economista Armínio Fraga tinha o mesmo nome do neto. Era dermatologista e irmão do famoso professor Clementino Fraga, colega e amigo de Carlos Chagas, citado por Pedro Nava. Assim o economista é sobrinho neto do Clementino e primo do Clementino Filho, colega e amigo do João Amílcar Salgado.  Armínio, cidadão ianque e brasileiro, é apontado como o mais respeitado economista do Brasil. Na foto, Armínio, Carlos, Paulo Rebello, Eliete Bouskela e Fábio Baccheretti.  Evento promovido pelo professor e pesquisador Rudi Rocha, da FGV e do IEPS. O primeiro Clementino Fraga consta do livro A PACIENTE BERENICE DA DOENÇA DE CHAGAS (2024), ora em lançamento.

sábado, 12 de outubro de 2024

 


HIROSHIMA E O PRÊMIO NOBEL DA PAZ

João Amílcar Salgado

Em outubro de 1985 o grupo  MÉDICOS INTERNACIONAIS PARA A PREVENÇÃO DA GUERRA NUCLEAR (IPPNW) recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Foi organizado em 1980, sob a liderança de dois cardiologistas, o lituano (naturalizado estadunidense, inventor do desfibrilador)  Bernhard Lown e o mais distinto clínico russo-soviético Evgeny Chazov. David S, Greer, cofundador desse grupo, pioneiro em geriatria e pedagogo, esteve em Belo Horizonte, onde me ouviu sobre nossa inovaçao do ensino médico. Ficou surpreso diante da riqueza de nosso Centro de Memória: com grande interesse,  me pediu explicação sobre cada ítem. Agora, em outubro de 2024, a Confederação Japonesa de Organizações de Sofredores de Bombas Atômicas e de Hidrogênio, também recebeu o Prêmio Nobel da Paz. O líder sobrevivente Toshiyuki Mimaki, em prantos, dificilmente acreditou no anúncio da premiação. Lamentavelmente o sobrevivente que veio viver no Brasil, Takashi Morita, faleceu, aos cem anos, dois meses antes. Podemos ler sua história no livro A ÚLTIMA MENSAGEM DE HIROSHIMA: O QUE VI E COMO SOBREVIVI À BOMBA ATÔMICA (2017). Nasceu em 1924 na própria Hiroshima e foi membro da Kempeitai, temida Polícia Militar do Exército Imperial do Japão.

Podemos ler também de Bernard Lown A ARTE PERDIDA DE CURAR (1996).

 

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

 


O ESPECTRO TRINITÁRIO NA HISTÓRIA HUMANA É BEM AMPLO

João Amílcar Salgado

No estudo de minha proposta para a equipe mínima de três médicos, para atender pequenas cidades, fiz o levantamento da ocorrência trinitária na história humana. Isso faria parte de meu doutorado, mas foi suprimido por questão de referenciação bibliográfica.  A ideia da miniequipe busca superar a competição pela cooperação.

O xamã é o médico inaugural da espécie humana, tendo sido a medicina apenas uma de suas atribuições, enquanto o filho do xamã é o primeiro médico exclusivamente médico. Esta relação pai-filho, na origem da medicina, está presente em todas as sociedades primitivas, inclusive entre os indígenas da América, por meio do trio XAMÃ-CACIQUE-PAGÉ A partir da África faraônica, temos TOT-RA-IMOTEPE, ILU-NINAZU-NINGISHZIDA, BRAMA-VINSHNU-KRISHNA, ZEUS-HÉLIO-ASCLÉPIO, JÚPITER-APOLO-ESCULÁPIO, JEOVÁ-ABRÃO-ISAQUE, TAO-FUHSI-SHENNUNG, OXALÁ-NANÁ-OBALUAÊ.

Por outro lado, o cooperativismo surgiu na Inglaterra em 1844, quando trabalhadores criaram um armazém para alimentos adquiridos em maior quantidade. No Brasil, em 1889, foi fundada a cooperativa dos funcionários de Ouro Preto para aquisição conjunta de produtos da roça. Em 1927, imigrantes japoneses fundam a grande Cooperativa Agrícola de Cotia, SP. O decreto federal 5893, de 1943, regula as cooperativas, estabelecendo que são sociedades de pessoas e não de capitais, não sujeitas à falência. Em 1951, é criado o Banco Nacional de Crédito Cooperativo, junto ao Ministério da Agricultura. JK certo de que seria reeleito em 1965, planejou para esse banco a função de sustentáculo de uma revolução agrícola, a partir do centro-oeste. Nos últimos dias de sua presidência, destinou deste banco os recursos para a instalação da COOPMED. Uma cooperativa criada pelos estudantes para editar livros universitários ficou então com o estranho vínculo inicial ao Ministério da Agricultura.  Eu, que fui ativista disso tudo, hoje sou sócio de duas cooperativas de café: Cooxupé e Cocatrel.

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

 


CÔNEGO VÍTOR E A VILA

João Amílcar Salgado

Fiquei impressionado com a fé dos devotos do Cônego Vítor da Vila. A eles quero lembrar nossas ligações com o extraordinário santo negro, que foi corajosamente ordenado por Dom Viçoso, antes da libertação dos escravos. O mais forte laço dele com Nepomuceno é representado por meu avô professor João de Abreu Salgado, diretor do Grupo Escolar Coronel Joaquim Ribeiro, hoje Escola Estadual. Durante sua diretoria e a de sua discípula Alice Lima, os conterrãneos receberam a notícia da vida, das realizações e dos milagres do santo. João de Abreu foi batizado e aluno do Padre Vítor e foi seu legítimo herdeiro no método de ensino original, caracterizado por ser suave e eficaz, diferente das demais escolas. A família Abreu Salgado, quase toda de professores, do pré-primário ao pós-doutorado, segue esta tradição.  Meu pai João Salgado Filho é afilhado de batismo do admirável sacerdote, de quem recebeu de presente sua milagrosa bengala. No dia do batismo, o cônego estava acamado e o bebê foi levado ao leito para ser abençoado. Outra igualmente forte ligação com a Vila é representada por João Brandão, o Quidinho. O milagre do incêndio no posto de gasolina do Quidinho foi decisivo para a beatificação.

A primeira e principal biografia do Conego Vítor foi escrita por João de Abreu Salgado em 1946, cuja reedição foi lançada para a beatificação, com novo título VIDA DO PADRE VÍTOR (2015)

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

 


HISTORIADORES E PSIQUIATRAS

João Amílcar Salgado

O 28º Congresso Brasileiro de História da Medicina, de 19 a 21/9/2024, em Barbacena, pelo qual lancei meu livro “A PACIENTE BERENICE DA DOENÇA DE CHAGAS”, também lembrou os 120 anos do hospital psiquiátrico público de Barbacena, ocorridos no ano passado. A psiquiatria mineira de fato data de 1814 quando Antônio Gonçalves Gomide divulgou a Impugnação analítica de um suposto milagre, na verdade uma síndrome psicótica.

A reunião de historiadores com psiquiatras foi muito interessante. Um destes, meu amigo desde a faculdade, me disse que os psiquiatras não se dão bem com historiadores, temerosos de que estes tratem sua especialidade como religião. Outro psiquiatra afirmou, em sua palestra, ignorar haver algum cirurgião inteligente. Entre os ouvintes estavam dois ilustríssimos neurocirurgiões, que democraticamente não protestaram, ao contrário sorriram. Um deles é Sebastião Gusmão, apontado por colegas como o maior neurocirurgião do país e que acumula este título com outro: é um gigante historiador internacional. O outro é Jair Raso, exímio e elegante tanto na cirurgia como nas artes cênicas e na cultura geral. Para aquela afirmação, o infeliz palestrante estava autoconvicto de ostentar um intelecto muitas vezes superior ao de ambos somados.

 


AULA MAGNA SOBRE O LIVRO A PACIENTE BERENICE DA DOENÇA DE CHAGAS

João Amílcar Salgado

SEXTA FEIRA, 20/9, OCORREU O LANÇAMENTO NACIONAL DO LIVRO A PACIENTE BERENICE DA DOENÇA DE CHAGAS (2024) EM BARBACENA, DENTRO DA PROGRAMAÇÃO DO 28º CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTORIA DA MEDICINA. PARA ISSO O AUTOR PROFESSOR JOÃO AMÍLCAR SALGADO PROFERIU A AULA MAGNA DE ABERTURA, QUANDO FOI APLAUDIDO EFUSIVAMENTE.

FOI UMA FELIZ OPORTUNIDADE DE REENCONTRO FRATERNO ENTRE OS HISTORIADORES DE BARBACENA E DE TODO O BRASIL. MAIS UMA VEZ O LÍDER JAIRO FURTADO TOLEDO E SUA ESPOSA FLORA SE ESMERARAM NO ACOLHIMENTO DE TODOS, AUXILIADOS PELO PRIMOROSO ARTISTA E ERUDITO HISTORIADOR EDSON BRANDÃO.

VEJAM OS COMENTÁRIOS NA PRÓXIMA POSTAGEM.

terça-feira, 10 de setembro de 2024

 

PEDIATRAS INSEGUROS E ESCASSOS

João Amílcar Salgado

Um colega e grande amigo comentou meu texto sobre as eleições no CFM, dizendo que, embora enriquecedor, é, contudo, um reducionismo temerário dividir a categoria médica entre “negacionistas dominantes” e “uma minoria fiel à ciência “. Pode ser que outros tenham chegado ao mesmo veredicto. Uma pediatra brilhante e incansável, minha ex-aluna, por sua vez, confirmou meu depoimento, pormenorizando exemplos dramáticos da crise de diplomados inseguros e escassez pediátrica. Diante destas e outras manifestações, reitero aqui meus principais textos sobre o tema.

 

DESPEDIATRIZAÇÃO E REPEDIATRIZAÇÃO

Homem com óculos de grau

Descrição gerada automaticamenteLEÃO

               Ênnio Leão e eu somos considerados autores da inovação pediátrica do ensino da medicina no Brasil, ocorrida em 1975, na UFMG, que se refletiu internacionalmente. Os três maiores pedagogos médicos de então, Juan Cesar Garcia, da OPAS, Vic Neufeld, da Universidade de McMaster, e Henry Walton, da Universidade de Edimburgo, reconheceram, com entusiasmo, sua originalidade e sua importância. Os estudos que levaram a isso, de 1971 a 1974, foram possíveis graças ao estímulo corajoso do reitor, médico e cientista Marcelo Vasconcelos Coelho, em plena ditadura vigente no país. A alta carga horária pediátrica e as demais inovações resultaram da análise de nossa pirâmide demográfica e de outros elementos da realidade de saúde.  Trinta anos depois de tal experiencia, houve quem alegasse que a pirâmide demográfica estava sofrendo mudança e que chegaria ao ponto de ser necessária a redução do relevo da pediatria. Respondemos com dois argumentos: 1) a modificação da pirâmide não seria definitiva porque haveria, cedo ou tarde, necessidade econômica de volta à adequada natalidade; 2) o lado pedagógico da “pediatrização” proposta traduz aspectos mais profundos da questão.

 De fato, quatro aforismos formulados durante nossos estudos resumem a pedagogia do ensino pediátrico:

1)    Na realidade de saúde, o médico capaz de bom atendimento pediátrico atende bem e até melhor o adulto; enquanto o médico capaz de bom atendimento a adultos é inseguro no atendimento pediátrico - e tende a evitá-lo.

2)    O ensino ampliado da clínica pediátrica, na graduação, não forma o pediatra, mas prepara melhor este especialista e prepara melhor o clínico de adultos, inclusive dando a este a segurança para oferecer atenção completa a todas as faixas populacionais.

3)    Na história do ensino médico, houve a distorção de se ensinar semiologia exclusivamente por meio do exame de adultos e o êxito em sua correção, efetivada na UFMG, evidencia claramente o erro do passado.

4)    O aforismo “a doença não tira férias” levou à adoção do calendário contínuo curricular e atencional, de evidente benefício às crianças.

Diante do atual colapso da atenção pediátrica no Brasil, nos parece oportuno sugerir medidas que atenuem ou eliminem tão lamentável consequência do criminoso descaso para com a saúde e com outras áreas de nossa realidade social.

Propomos que os participantes da citada experiencia e demais docentes sejam reconvocados para uma mobilização nacional que alcance todos os cursos de medicina e todas as equipes de atenção primária e secundária. Os MINISTÉRIOS DA SAÚDE E DA EDUCAÇÃO ofereceriam bolsas e demais recursos para o treinamento da atenção pediátrica. O programa MAIS MÉDICOS seria adaptado para funcionar como INTERNATO RURAL de todas as faculdades próximas e opcionalmente das distantes. As UPAS seriam adaptadas para incluir o treinamento pediátrico ambulatorial, com a respectiva remuneração adicional de treinadores e treinandos.  A descentralização da atenção primária e secundária exige a diminuição da insegurança dos profissionais. A insegurança para clinicar, enfraquece quer o peso da atração salarial, quer o da promessa de carreira.

Outra verificação dos levantamentos prévios foi a predominância do atendimento de adultos em detrimento das crianças nos serviços de urgência-emergência. Na experiencia citada, concomitante à inovação curricular realizada, o já existente posto de reidratação infantil para gastroenterite foi adaptado ao atendimento geral de urgência-emergência pediátrica, que levou à ampliação do debate sobre o atendimento contínuo em fins de semana, feriados e férias escolares. A tradição era (e continua sendo) que os hospitais de ensino entrem em recesso nessas ocasiões. E não é que até mesmo no auge da findante pandemia gripal, os postos de vacinação adotaram folgas semanais e outros recessos? Urge reiterar o atendimento contínuo no SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. Tal é nossa esperança na retomada do projeto constitucional da atenção à saúde, segundo o aforismo por sinal surgido de nossa inovação: a saúde é direito de todos e dever do Estado. 

O PEDIATRA-ANESTESISTA NA EQUIPE MÍNIMA PARA PEQUENAS CIDADES

Em 1967 propus, ao lado de Cid Veloso, a equipe mínima de três médicos, capaz de clinicar em pequenas cidades para resolver mais de 90% dos problemas de saúde - composta de 1) um cirurgião-obstetra-traumatologista, 2) um pediatra anestesista e 3) um clínico geral. A proposta obteve elogiosa acolhida, inclusive logo recebemos a grata notícia de que tal equipe já funcionava espontaneamente em mais de um lugar. Na cidade de Cruzília tal equipe já funcionava ali há dez anos, composta de José Orígenes Penha, José Maria Nunes Maciel e José Manuel Nunes Maciel. Também na cidade de Campanha já funcionava a equipe composta por Zoroastro Oliveira, Sérgio Almeida de Oliveira e Cláudio Almeida de Oliveira e em Nepomuceno a de Décio Lourenção, Rubem Ribeiro e Maurício Sarquis. A partir daí, surgiram a equipe de Divinópolis, composta por Alair Rodrigues de Araújo, Afrânio Ferreira e Antenor Melo, a da cidade de Mineiros, em Goiás, com Luiz Antonio Luciano, João Paniago Vilela e Clodomiro Anaya Rojas, a da cidade de Luz com Eolo Torres, Aristides Teles e Mário Klébis e a de Coronel Fabriciano com José Maria Moraes, Hyde Anacleto e Maurício Anacleto sendo que em Camanducaia foi esboçada, mas não concretizada.

Locais em que também houve tentativa de organizar miniequipes foram  Varginha, Barreiras, Parintins, Porto Nacional e hospitais das hidrelétricas de Três Marias, Paulo Afonso e Itaipu. É de justiça lembrar pelo menos quatro trios precursores da proposta, dois nos EUA e dois no Brasil:: William, James e CharLes Mayo (Rochester), Osler, Halsted.  Em 1971, conjuntamente com a formalização da residência médica, tentamos inaugurar a dupla residência em pediatria e anestesia na UFMG, contra a qual se opôs a corporação dos anestesistas. Para enfrentar os desafios de hoje, é possível retomar tudo isso.

 

 

AS ELEIÇÕES NO CFM E A TRIFURCAÇÃO CORPORATIVA

 


Diagrama

Descrição gerada automaticamente

 

Tabela

Descrição gerada automaticamente

 

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Descrição gerada automaticamente

           


             Na década de 50 do século 20 foi efetivada a separação das corporações profissionais brasileiras em associações, conselhos e sindicatos.  A única corporação que continuou atuando de forma unificada foi a Ordem dos Advogados e se atribui a este fato o prestígio político e moral que a OAB ostenta conservar e que as demais perderam. Fiz minuciosa pesquisa sobre as razões pelas quais a corporação médica tão facilmente abriu mão do prestígio assegurado, justamente quando governava o país um médico, JK, e outro médico, Clóvis Salgado, era seu Ministro da Educação. Ambos sofriam feroz oposição da UDN, partido da quase totalidade dos médicos – situação análoga à polarização atual, entre negacionistas dominantes e a relativa minoria de fiéis à ciência. JK chegou a ser expulso da Associação Médica de MG.

A trifurcação corporativa em SINDICATO, que cuida dos direitos, em CONSELHO, que cuida dos deveres, e em ASSOCIAÇÃO, que cuida das demais prerrogativas, decorre diretamente da ganância crescente da medicina de consumo, causa de danos irreparáveis, quer ao interesse dos próprios médicos, quer ao das comunidades a que governo e profissionais devem servir.

Como mostrei em texto anterior, o projeto de Tancredo Neves para a saúde e a educação foi substituído, sob Sarnei, pelo favorecimento privado. Isso causou imediata avalanche de faculdades de fim-de-semana, a cada esquina e ainda em grotões e  países vizinhos - aureamente financiadas por famílias ávidas de filhos-doutores. Os médicos assim produzidos só poderiam ser clinicamente inseguros, receitadores pelo Google. Compreensivelmente optaram por escapar da insegurança pela fresta do rápido enriquecimento financeiro, alcançado através de criativos artifícios. Surgiu então a paradoxal junção entre o baixo-clero clínico, simbolizado na Doutora Cloroquina, e o alto-clero financeiro, exemplificado no quarto homem mais rico do país.