João Amílcar Salgado

domingo, 4 de maio de 2014

CARLOS LACERDA E SEUS DOIS ÊMULOS NA UDN MINEIRA
João Amílcar Salgado
Em 2014 acontece o centenário de Carlos Lacerda, que disputa com Rui Barbosa o título de maior orador brasileiro.  Por meio do jornalismo, tornou-se um dos principais políticos do país, após a segunda guerra mundial. Muitos o apontam como maior inimigo do ditador Getúlio Vargas, mas Baeta Viana, professor da Faculdade de Medicina da hoje UFMG, o antecedeu e concorre com ele por este título. Na política, seu rompante e sua fluência foram armas poderosas, mas não era bom em estratégia eleitoral. O melhor estrategista de seu partido era o mineiro Oscar Dias Correa.  Lacerda, Baeta e Oscar eram muito influentes na União Democrática Nacional (UDN), partido antiditadura. O notável orador Adauto Lúcio Cardoso, era o udenista mineiro que mais se aproximava do estilo lacerdista.
Carlos Lacerda é neto do jurista e ministro Sebastião Lacerda, cujos filhos se tornaram líderes do movimento comunista brasileiro, um deles, Maurício, pai de Carlos.  Este herdou e superou a flamejante oratória do pai, tornando-se grande promessa da juventude comunista. Sendo fluminense, era também Werneck, família de origem mineira. Refugiou-se em fazenda de Minas, onde teve vagar para escrever uma análise marxista do vale do rio São Francisco. Mais tarde asilou-se numa república de estudantes de medicina de Belo Horizonte.  
No fim da segunda guerra, moveu-se rumo aos ideais democráticos da UDN. As frustrações eleitorais desta o levaram, junto com os principais udenistas, para o caminho antidemocrático, em lamentável declive, até chegar à extrema direita, apoiando e participando do golpe de 1964.  Os grandes beneficiários da ditadura emergente procuraram livrar-se de Lacerda, de JK e de qualquer outra liderança civil. Assim, restou a Lacerda unir-se a seus antigos adversários JK e Jango. Como Lacerda, JK e Jango morreram em seguida, surgiu a suspeita de que foram eliminados planejadamente.

Oscar Dias Correa tinha levado a UDN a surpreendente triunfo eleitoral em Minas, em 1947. Se, em vez de Lacerda, Oscar fosse ouvido no plano nacional, teria havido um governo verdadeiramente udenista, isto é, democrático, na sucessão de JK -  em vez do desatino representado por Jânio Quadros. E o Brasil teria sido poupado do abismo que durou 20 longos anos: de arbítrio, brutalidade e obscurantismo. 

quinta-feira, 1 de maio de 2014

MINAS E AS DIRETAS-JÁ
João Amílcar Salgado
            Os historiadores mineiros têm dificuldade no relato de episódios em que Minas aparece mal na história do Brasil. Três episódios podem servir de exemplo. O primeiro foi quando Getúlio Vargas inventou a personagem caricata e sonsa de Benedito Valadares, para se livrar de três correligionários tidos como inteligentíssimos: Antônio Carlos, Capanema e Virgílio Melo Franco, sem os quais os revolucionários de 30 não triunfariam.  O segundo foi quando o líder estudantil Herbert José de Souza, o Betinho, foi passado para trás na eleição para presidente da União Nacional de Estudantes, entidade que, caso sob seus liderados, evitaria certamente o golpe de 64. O terceiro foi quando mineiros foram usados não só para dar início a este golpe como para a tentativa de sua legitimação, por meio de figuras até então respeitáveis no cenário político.
            Americano Freire, fluminense que veio para professor de medicina em Minas, ofereceu explicação endocrinológica para isso. A falta de iodo em nossas montanhas faria com que homens de notória inteligência comprem o Pão de Açúcar no Rio e bondes em São Paulo. A própria origem de Minas explica melhor. Quando descobertas as minas, houve a maior corrida do ouro do mundo, vindo gente de todo o Brasil e de fora da colônia. A população inicial compreendia dois grupos: 1) os que recolhiam ouro, diamante e outras gemas e desapareciam; 2) os que gostaram daqui e aqui se enraizaram. Estes escondiam daqueles suas mulheres e seus baús - e entre si criaram rigorosos códigos tácitos. Quando em outro lugar, julgavam ali vigentes tais códigos. Daí surgiu, inclusive, o anedotário do “mineirim”, tão popular na internete.
            Todo esse preâmbulo é para melhor historiar a relação entre Minas e as diretas-já. A idéia de luta pela eleição presidencial direta, como término da ditadura, surgiu da anistia, em 1979 – conquistada graças ao heroísmo de Teotônio Vilela. Veio a se transformar em campanha nacional em 16-4-1984 no célebre comício do Anhangabaú em São Paulo, no qual Tancredo Neves foi o primeiro a discursar. Ao lado dele estava Milton Nascimento.
Dois anos antes, em 1982, houve a maior greve em universidade federal, durante a ditadura. Exigia-se a eleição direta para diretor de faculdade.  O movimento foi deflagrado na Faculdade de Medicina da UFMG, estando Tancredo Neves em campanha para governador de Minas. Os grevistas obtiveram do candidato pleno apoio a sua reivindicação. A congregação da faculdade, vergonhosamente, não acatou a lista de docentes (um deles eu) eleita pelo voto direto e paritário de docentes, estudantes e funcionários e fez sua lista própria, com ultraconservadores apoiadores da ditadura. Tancredo Neves confessou mais tarde que seu engajamento na campanha das diretas-já remontava a esta greve. Isso contradiz a declaração de Ulisses Guimarães de que Tancredo não era pelas diretas até que ele, Ulisses, o convenceu a se engajar.

            Ainda mais cedo, em 1980, na inauguração da sala Borges da Costa do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais, Tancredo aplaudiu os discursos do estudante Jésus Fernandes e do professor Amílcar Viana Martins, ambos bradando inauditas e audaciosas palavras contra a ditadura vigente.  Isso mostra que Tancredo já se encontrava, antes de 1982, em oposição aberta aos poderosos de então. E mostra a aproximação dele com a Faculdade de Medicina, de tal modo que, durante o preparo de seu governo estadual, solicitou dela subsídios nas áreas da saúde e da educação. Mais que isso, no esboço de seu governo nacional, preparava profunda transformação na educação e na saúde, a partir da experiência acumulada na mesma Faculdade. 
JOSÉ BENTO TEIXEIRA DE SALLES
ELE FAZ A GENTE TER ESPERANÇA NA HUMANIDADE
Sua última crônica publicada no EM Cultura ontem lembrava os bons tempos do futebol brasileiro (Maria Tereza Correia/EM/D.A Press - 26/6/10)
João Amílcar Salgado
            Conheci, antes dele, o irmão Fritz Teixeira de Sales, notável pensador, admirado por toda a minha geração. Tive como fraterno colega de turma na Faculdade o menino prodígio dos Teixeira, o João Augusto Moreira Teixeira, primo dele e filho de Carlos Martins Teixeira, este o corajoso denunciador da silicose em nossas minas. Outros dois primos dele por quem tenho especial estima são  CamiloTeixeira da Costa e Márcio José de Castro Silva.  Havendo tais antecedentes, chegou o dia em que o José Bento aparece no Centro de Memória da Medicina para nos entregar o livro de sua autoria MILTON CAMPOS  – UMA VOCAÇÃO LIBERAL (1975). Explicou: o Milton está na história da medicina mineira porque nomeou Baeta Viana para seu Secretário de Saúde.
            Bem mais tarde, houve a homenagem da Academia de Medicina ao centenário de Adelmo Lodi, quando falei em nome da Faculdade. Ali me penitenciei diante da família pelo violento discurso de orador da turma que pronunciei em 1960, estando Adelmo presidindo, como reitor em exercício, a formatura do curso médico. Confessei que Pedro Nava me fizera rever a imagem dele e que semelhantemente Paulo Pinheiro Chagas me fizera rever a imagem de Kubitschek. No dia seguinte, bem cedo, me telefona o José Bento: você me tirou o sono, pois agora eu também passo a rever a imagem do Juscelino. Respondi que era nosso dever de ex-udenistas tal atitude de grandeza.
            Quando chega o centenário de Clóvis Salgado, o José Bento me pede um texto sobre ele, destinado à revista da Academia Mineira de Letras. Mandei um ensaio intitulado  CLÓVIS SALGADO – A MESMA HABILIDADE NA CIRURGIA E NA POLÍTICA. Uma frase desfavorável a Jarbas Passarinho, quando relato que este coronel foi extremamente grosseiro com o Clovis, foi suprimida na revista. Falei ao José Bento que iria acusar a revista de censura e este disse que acabaria responsabilizado pelo ato, que de fato ignorava. Para não atingi-lo, combinei que nada faria e apenas republicaria o texto integral. E assim está no livro ENSINO DA MEDICINA NO BRASIL E EM MINAS GERAIS (2013).
            Quando chega o centenário de Hilton Rocha, o José Bento novamente me pede um texto para a mesma revista. Sem a mínima objeção, mandei um ensaio intitulado HILTON ROCHA – A FLUÊNCIA DO ORADOR EMOLDUROU SEU TRIUNFO CLÍNICO E CIRÚRGICO. Também este texto está integralmente no mesmo livro, para que os interessados leiam a versão não editada pela revista. E o José me agradeceu a colaboração incondicional de verdadeiro amigo, pois vários admiradores de Hilton o procuraram para dizer que ficaram ali sabendo de várias facetas do oftalmologista que do contrário jamais conheceriam. Uma dessas facetas é o parentesco entre Hilton e a família de meu colega de turma Sérgio Almeida de Oliveira. Este notável cardiocirurgião me enviou mensagem agradecendo a referencia a essa ligação, tão cara a nós sulmineiros.
            Talvez o fruto mais interessante do sólido vínculo entre José Bento e o Centro de Memória seja uma pesquisa feita por ele e o José Sílvio Resende, extraordinário cirurgião e minucioso investigador, tanto em ciência como na memória da medicina . José Sílvio se deu ao árduo trabalho de esclarecer a até então quase desconhecida ligação entre os luminares Henrique Marques Lisboa e José Baeta Viana e um humilde barbeiro, o sêo Santos – que cortava o cabelo e fazia a barba de gente ilustre em frente ao antigo Cine Metrópole. Pois bem, toda a obra de benemerência dos dois professores não teria sido possível sem a participação desse santo homem, engajado na proteção ao tuberculoso pobre de Belo Horizonte. E o José Sílvio não teria localizado a família de José dos Santos se não fosse a ajuda essencial de José Bento Teixeira de Sales, a partir de uma de suas implacáveis crônicas sobre  nossa vida cotidiana.
            Por aí se pode imaginar que preciosidades estão acrisoladas nas nove obras que publicou. Por elas dá para perceber que José Bento sofreu o mesmo tormento dos cronistas que se sentem desafiados ou são desafiados por outrem para que libertem o romancista enrustido neles. Quantos romances estão no DNA de suas crônicas e de suas fábulas? No caso dele não são só ficção mas sociologia da boa.  

          De minha parte, como historiador, ando às voltas com pesquisas que envolvem o José Bento, o qual, além de Teixeira da Costa, é Viana e Sales. Estudo de longa data  a família Viana do centro de Minas, com importantes personagens em nossa Faculdade de Medicina e na própria história de Minas. De outro lado, estudo as três famílias Sales de Minas: do Serro, de Lavras e de Santa Luzia – de importância análoga.  Perguntei pormenores dessas gentes a Zé Bento e ele anulou minha esperança, completando: toda família tem um interessado nisso e, infelizmente, não sou esta pessoa.  Pensei: ele me frustrou, mas, ao mesmo tempo, me aguçou a curiosidade sobre aquilo de que sua elegância passou ao largo. Afinal localizei essa pessoa no brilhante consanguíneo Eduardo Viana de Paula (ver Sumidoiro´s Blog).

Em 1984,  o mineiríssimo médico Japhet Dolabella publicou o fundamental livro SANTA LUZIA NASCEU DO RIO...  O prefácio, como não podia deixar de ser, é de José Bento Teixeira de Sales, que se diz feliz com a saudade com que o autor recheou as ternas páginas: ... o Rio das Velhas, então caudaloso, que desaforava adiante São Francisco, os córregos dos banhos furtivos da mocidade, os becos das verdades inconfessáveis, os campos repletos de gabirobas e mangabeiras, a boiada atravessando a cidade, com o touro bravo se desgarrando para por em pânico a quietude do nirvana luziense, o velho teatro, iluminado com tímidas gambiarras e enfeitado  por cenários desbotados e bizarros, o sobrado do Rafinha, em cuja venda se encontrava de tudo, desde urinóis e foices até a mais pura renda francesa, o adro do Rosário, a Rua Direita, calçada por alvos seixos roliços, a Matriz, o Largo e, ao fundo, o sobrado senhorial do “Sô” Aurélio, com o seu admirável museu particular.
            Qual de nós mineiros não se irmana ao Zé Bento na emoção concentrada neste parágrafo?

O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais


A DITADURA 64-85 E A CORRUPÇÃO NO BRASIL
João Amílcar Salgado
            Os antecedentes da ditadura 64-85 podem ser apontados sob três aspectos. O 1º é a aprendizagem oferecida por ditadores da primeira metade do século 20, principalmente  nazifascistas, estalinistas e caudilhos, um destes Getúlio Vargas. O 2º é o começo da guerra fria, ocasião em que o Brasil esperava forte desenvolvimento socioeconômico no pós-guerra, esperança frustrada pelo governo retrógrado de Eurico Dutra. O principal efeito da guerra fria referente ao Brasil adveio da previsão feita pelo Pentágono nos EUA de desembarque de fuzileiros em vários lugares, um deles no Brasil. Em função disso, o governo Dutra recebeu o plano SALTE, sucedâneo menor e precário do plano MARSHALL.  O 3º aspecto é a quádrupla frustração do partido da União Democrática Nacional (UDN), proposto para unir todos os que desejavam redemocratizar e modernizar o país. Seu 4º fracasso eleitoral, em 1960, o fez esquecer seu propósito inaugural e o precipitou no vergonhoso golpe de 64.
Em tal sentido, a ditadura 64-85 foi embrionada em 1945 com a derrota que o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato da UDN, sofreu para Dutra, na eleição presidencial. O governo Dutra foi tão ruim que não seria difícil eleger o brigadeiro para sucedê-lo em 1951, desta vez contra o próprio ex-ditador Vargas. E a UDN mostrou-se incompetente pela segunda vez, pois sendo um partido de oradores consagrados, teve a ilusão de que a flama destes significava votos. E a agremiação dispunha de homens com capacidade eleitoral, mais do que com capacidade retórica, tanto é que isso ficara demonstrado com a vitória do udenista Milton Campos em Minas, em 1947.  O partido, entretanto, não os aproveitou.
            Nova ilusão teve a UDN quando julgou que, com o suicídio de Vargas em 1954, o partido seria imbatível. Isso seria verdade se não fosse JK. E, na sucessão deste, sofreu a 4ª derrota. Para comprovar que a UDN padecia de ilusão de óptica eleitoral congênita, basta lembrar que o referido vitorioso de Minas, Milton Campos, foi o derrotado em 55 e também em 60, como candidato a vice. Por sinal, se Milton, em vez de João Goulart, tivesse sido vice de Jânio Quadros, não teria havido a ditadura de 64. E a frustração udenista veio a ser tamanha que os quase canonizados democratas Milton e Eduardo Gomes aceitaram o lamentabilíssimo papel de ministros de um ditador quasímodo, nos dois sentidos, físico e moral.
            Papel igualmente lamentável desempenhou John Kennedy. Quando foi eleito, em 1960, Nixon era o bandido e John o nosso mocinho. O mundo parecia estar entrando nos eixos com Kennedy de um lado, Luther King de outro e João 23 no meio. O assassinato presidencial fez com que esquecêssemos tudo de errado que John fez. Ele aparentava acreditar piamente em Allen Dulles, diretor da CIA, e em Edgar Hoover, diretor do FBI. Hoover é hoje considerado por muitos grande facínora, responsável que foi por horrendos experimentos em seres humanos, e Dulles igualmente, responsável que foi pelas mortes dos líderes libertários Lumumba e Guevara e pela expansão de narco-plantações. Mas, no caso do Brasil, Hoover deve ser considerado o introdutor  aqui dos métodos mais sofisticados e diabólicos de corrupção. Ele usou contra os nacionalistas daqui a bem financiada experiência de espionagem e delação, usada antes nos EUA contra ativistas universitários e negros e contra qualquer defensor dos direitos civis. Aqui como lá seu expediente irresistível e deletério consumiu ilimitada quantidade de dólares.  Assim foi cevado o alto, médio e baixo clero do futuro partido Arena, pró-ditadura, e foram forjados os impérios Sarney, Malvadeza, Maluf, Marinho, Moon, Evangélicas, Grande Imprensa, Grandes Bancos, Empreiteiras, Madeireiras, Químico-farmacêutico e Agronegócio.  Dulles, por sua vez, se encarregou de preparar a missão Brother Sam, que, se necessário, faria no Brasil a divisão norte-sul já feita na Coréia e em andamento no Vietnã. A tudo isso John Kennedy não podia, nem se quisessem, estar alheio. E Obama, ao acobertar um golpe no Egito, acaba de imitar a atitude de Kennedy para com o Brasil.
            Várias observações podem ser enfatizadas nesta descomemoração do golpe de 64. Por ora enfatizemos a questão fundamental da corrupção, porque está por traz de vários acontecimentos logo no início do golpe. Principalmente três deles: 1) a jura de morte contra Rubem Paiva, 2) o discurso de Moura Andrade declarando vago o governo e 3) a mudança de posição do general Kruel. Paiva denunciou, no próprio dia 01-04-1964, a organização IPES-IBAD como instrumento do governo estadunidense para comprar  parlamentares e outros aliciados, em favor do golpe, e daí que foi jurado de morte. Este mesmo IPES-IBAD pagou considerável soma a Moura Andrade para declarar vago o governo, mesmo com o presidente eleito ainda dentro do território brasileiro. E o general Kruel, que se posicionara em favor da legalidade, mudou de lado quando recebeu grande soma do presidente da FIESP, segundo depoimento do mineiro Erimar Pinheiro Moreira, major-farmacêutico, na época em São Paulo, em cuja farmácia o general foi pago.
            Este relato é da maior importância porque recebemos reiteradas mensagens eletrônicas garantindo a monstruosa falsidade de que não houve corrupção na ditadura. Seus autores são óbvios aproveitadores da desmemória nacional. Basta apontar os citados fatos para mostrar como a corrupção fez parte intrínseca do golpe e como copiosa corrupção correu solta de 1964 a 1985. Nada mais propício à corrupção do que os desvãos, o obscurantismo, o silêncio, o medo, o acovardamento, o sadismo, a intriga, a vileza, a mesquinhez, a leniência, as vinditas e a censura – tudo aquilo que compõe um sórdido e inexpugnável poderio ditatorial, seja, por exemplo, de Hitler, seja, por exemplo, de Stalin. Tanto que não surpreende ter aí florescido a ética perversa do “levar vantagem em tudo” (1976), ao lado da fauna crescente de doleiros, mega-investidores, lobistas, megafalsários, biopiratas e multitraficantes (narcóticos, medicamentos, trabalhadores, mulheres, crianças, órgãos humanos e animais silvestres).
Assim podemos dizer que os corruptos do mensalão petista e os corruptos do mensalão tucano foram excelentes aprendizes tanto de antecessores nacionais como internacionais. Coincidentemente, as duas principais fontes de mensagens sobre a angelical inocência dos ditadores são os jornalistas Carlos Chagas Meimberg e Alexandre Garcia. Carlos Chagas foi nada menos que o assessor de imprensa do ditador Costa e Silva e Alexandre Garcia foi nada menos que o porta-voz oficial do ditador João Figueiredo.


quinta-feira, 24 de abril de 2014


A IMPORTÂNCIA DO LIVRO
 ENSINO DA MEDICINA NO BRASIL E EM MINAS GERAIS
           
O livro ENSINO DA MEDICINA NO BRASIL E EM MINAS GERAIS é o resultado de pesquisas e vivência de seu autor João Amílcar Salgado como professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a partir de 1962. Foi docente de Semiologia Médica desde então, até alcançar o cargo de  professor titular de Clínica Médica, depois de se tornar mestre e doutor em Medicina Tropical. Como pesquisador, obteve repercussão internacional quando reencontrou e estudou a célebre paciente Berenice, a criança na qual Carlos Chagas descobriu a Doença de Chagas. Também adquiriu renome no Brasil e no exterior, na área do ensino médico, após participar e ser um dos líderes da inovação curricular de 1975 na UFMG. Com isso, se tornou conferencista dentro e fora do país, se colocando ao lado de Juan Cesar Garcia, na OPAS-OMS (Washington), Vic Neufeld, na Universidade McMaster (Canadá), e Henry Walton, na Universidade de Edimburgo (Escócia), em raro período em que houve confluência de esforços, até então autônomos, pelo aperfeiçoamento pedagógico da medicina, na segunda metade do século 20. 
            O livro constitui o primeiro estudo histórico sistemático do ensino da medicina no Brasil, elaborado por reconhecido pedagogo, apontado por pares, como a maior autoridade no país. Os historiadores da medicina brasileira pouco puderam tratar da história do respectivo ensino, em decorrência de seu limitado domínio sobre o tema. João Amílcar Salgado reuniu sua experiência como clínico geral, pedagogo e historiador para revelar como a medicina foi transmitida no Brasil a diferentes categorias de aprendizes, desde antes de 1500 até os dias atuais.
            O conteúdo do livro tem a seguinte sequência: 1) Educação médica pré-européia; 2) Educação médica colonial; 3) Tríplice conexão entre o iluminismo e o Brasil, na educação e na saúde; 4) Educação médica imperial; 5) Educação médica republicana; 6) Educação médica biocêntrica; 7) Educação médica sociocêntrica; e 8) Educação médica para a medicina consumista.  A seguir faz ensaio pormenorizado sobre a origem e a evolução pedagógica da educação médica na UFMG, de modo a estimular a que cada curso médico do país faça estudo semelhante. Finalmente é apresentada abrangente coletânea de textos destinados a ilustrar os temas antes expostos.
            Com tais capítulos, o livro estuda, de modo inédito, os sucessivos problemas do ensino da medicina, do ponto de vista fundamental da relação estudante-paciente, remontante à origem da humanidade. Para isso, recorre a elaborada e amadurecida inovação conceitual, a qual se mostra aplicável quer à realidade de saúde ao longo do tempo, quer à crescente crise atual. Exemplificadamente, o autor alcança fronteiras desafiadoras tais como: 1) A relação estudante-paciente sob perspectiva antropológica; 2) A relação estudante-paciente paralela, alternativa ou clandestina; 3) A decorrente universidade paralela, alternativa ou clandestina; 4) A ociosidade da competência; 5) O egresso nômade de cursos precários; 6) A submissão do ensino da medicina às agências internacionais e ao gangsterismo educacional; 7) A formação médica diante da polaridade competição versus cooperação (equipe mínima); 8) Resolubilidade e terminalidade; 9) A trifurcação corporativa para a sociedade de consumo; e 10) O ensino médico para a medicina consumista.
            O autor recebeu a sugestão para tradução deste livro para o inglês e o alemão.
EQUIPE DE PESQUISADORES DO CENTRO DE MEMÓRIA DA MEDICINA DE MINAS GERAIS






PROGRAMAÇÃO DO LANÇAMENTO DO LIVRO ENSINO DA MEDICINA NO BRASIL E EM MINAS GERAIS                                                                                       DO PROFESSOR JOÃO AMÍLCAR SALGADO

PRÉ-LANÇAMENTOS
1.     CURSO DE HISTÓRIA DA MEDICINA DA UFMG, NO DIA DO MÉDICO, EM 18-10-13
2.     CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA MEDICINA, PALMAS TOCANTINS, 6-11-13, ONDE O AUTOR FOI DISTINGUIDO COM A PALESTRA DE ABERTURA.
3.     JUBILEU DE OURO DA TURMA GERREIRO DE FARIA, UNIRIO, HOTEL MEDITERRANÉ – RIO DAS PEDRAS, RIO – ONDE O AUTOR FOI AGRACIADO COM PLACA DE PRATA, EM 24-11-13
4.        CONGRESSO MARANHENSE DE HISTORIA DA MEDICINA, TERESINA, 26-11-13
5.     FACULDADE DE CIENCIAS MÉDICAS DE MINAS GERAIS, ONDE O AUTOR FOI DISTINGUIDO COM A AULA INAUGURAL DO CURSO DE HISTÓRIA DA MEDICINA, 17-2-13
6.     UNIVERSIDADE DE OURO PRETO, ONDE O AUTOR FOI DISTINGUIDO COM A AULA INAUGURAL DO CURSO DE MEDICINA, 17-3-14
LANÇAMENTO OFICIAL – ACADEMIA MINEIRA DE MEDICINA
          DIA 26-3-14, ÀS 20 HORAS, NO AUDITÓRIO BORGES DA COSTA DA ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE MINAS GERAIS, AVENIDA JOÃO PINHEIRO, 161 – BELO HORIZONTE (COM PRELEÇÃO PELO AUTOR E COQUETEL).



ONDE ADQUIRIR O LIVRO ENSINO DA MEDICINA NO BRASIL E EM MINAS GERAIS

LOJA DA COOPMED, NO ANDAR TÉRREO DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS, AVENIDA ALFREDO BALENA, 190, BELO HORIZONTE E DEMAIS LOJAS DA COOPMED
FORA DE BELO HORIZONTE: PELA COOPMED VIRTUAL coopmed.com.br

INTERMINAS LIVRARIA, AVENIDA ALFREDO BALENA, 181, BELO HORIZONTE
FORA DE BELO HORIZONTE: PELA INTERMINAS VIRTUAL livrariainterminas@livrariainterminas.com.br OU Via fax/telefone: (31) 3201.0584

AINDA FORA DE BELO HORIZONTE PELA ESTANTE VIRTUAL OU CONGÊNERES

LIVRARIA DA FACULDADE DE CIENCIAS MÉDICAS, AVENIDA EZEQUIEL DIAS, 275, BELO HORIZONTE

DEMAIS LIVRARIAS, POR PEDIDOS À COOPMED OU À INTERMINAS OU AO CENTRO DE MEMÓRIA DA MEDICINA DE MINAS GERAIS, FACULDADE DE MEDICINA DA UFMG, AVENIDA ALFREDO BALENA, 190, TELEFONE 34099672

BREVEMENTE EM TODAS AS LIVRARIAS




quinta-feira, 10 de abril de 2014

DOMINGOS DA SILVA GANDRA
Foi o mais radicalmente autêntico em nosso grupo

João Amílcar Salgado
            Quando o reitor Marcelo Vasconcelos Coelho criou, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o Núcleo de Assessoramento Pedagógico da Faculdade de Medicina, no final de 1971 (com trabalhos iniciados em março de 1972), ele não sabia que estava dando origem a uma realização histórica no ensino superior no Brasil e também singular no mundo. Domingos da Silva Gandra chegou ali, naquele grupo multidisciplinar, como representante do Departamento de Ciências Sociais da universidade e logo passou a ser admirado e respeitado entre os demais. Logo nos falou de sua pesquisa sobre o preconceito anti-lepra (dois anos antes defendera a tese A LEPRA – INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO FENÔNMEO SOCIAL DA ESTIGMATIZAÇÃO, 1970) e sobre o educador argentino Juan Cesar Garcia, seu amigo pessoal, apontado por ele como a maior autoridade mundial em ensino médico.
          Tal equipe contou com a participação, entre outros, do psicólogo Célio Garcia, do dentista Eugênio Vilaça Mendes, da psicóloga Marília Mata-Machado, da socióloga Celeste Carvalho, da pedagoga Ceres Ribeiro e do médico Aloisio Sales Cunha. A livre troca de idéias entre todos e o Domingos me fez concluir que seríamos um grupo original, capaz de transformar o ensino, mesmo sob a ditadura vigente. É claro que éramos vigiados pelos dedos-duros espalhados por toda a universidade, mas não tivemos maiores obstáculos por duas razões: fomos específicos na questão do ensino e contávamos com as costas largas do reitor Marcelo Coelho. Esse trabalho, do modo como foi desenvolvido, revelou-se único em vários aspectos e está bem documentado em livros: SITUAÇÃO DO ENSINO DA MEDICINA NA UFMG (levantamento inicial, 1972), DIAGNÓSTICO DA SITUAÇÃO DO ENSINO DE MEDICINA  NA UFMG – RELATO DE PESQUISA (1973), O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO CURRICULAR EM EDUCAÇÃO MÉDICA NA UFMG (1976) e ENSINO DA MEDICINA NO BRASIL E EM MINAS GERAIS (2013).
            A proposta era simples: 1) fazer um diagnóstico do ensino, usando metodologia que permitisse resultados comparáveis a investigações já realizadas ou em andamento, no Brasil e no mundo; e 2) manter total independência da reforma da educação superior, imposta em 1968 pela ditadura. Com os resultados concluídos até 1974, aprovou-se que, em vez de submetidos a órgãos decisórios, os dados subsidiariam mudança educacional decidida democraticamente. Para que a ditadura não inviabilizasse iniciativa tão ousada, Gandra, apoiado em suas relações com peritos da Organização Panamericana de Saúde, órgão da Organização Mundial de Saúde (OPAS-OMS), consultou-a sobre possíveis assessores desta agência para esse processo decisório. A OPAS aceitou enviar o peruano Carlos A. Vidal, competente, mas muito cauteloso diante das circunstâncias. Foi então que fomos claros: aceitamos também o Vidal, mas queríamos nada menos do que Juan César Garcia. Houve a tentativa de negar o pedido, mas advertimos que, se isso acontecesse, denunciaríamos a agencia por submissão à ditadura. E o que parecia impossível aconteceu. Garcia, vetado pela CIA, veio. Ele ponderou que a metodologia adotada pela OPAS-OMS era de seminário restrito e de caráter apenas consultivo. Respondemos que o seminário programado era irrestrito, aberto a docentes, estudantes e funcionários, além de paritário entre estes e de caráter decisório. Garcia, sendo quem era, concordou por conta própria. Disso resultaria a eleição direta e paritária para diretor da faculdade e a eleição direta e paritária para reitor, sendo que a primeira arrastou Tancredo Neves para a campanha das “diretas-já”.
            Vale ressaltar que a OPAS-OMS antes nos enviara o chileno Manuel Bobenrieth para um seminário realizado em 1969, preparatório da implantação do cuidado progressivo do paciente no hospital das clínicas da faculdade, de que resultou o primeiro CTI em modelo completo do país, em 1971. As discussões do seminário afinal subsidiaram a mudança educacional iniciada a seguir, de tal modo que foram duas presenças convergentes e felizes para a UFMG, a de Bobenrieth e a de César Garcia. Bobenrieth trabalhou também na Espanha e Vidal na Argentina. Garcia e Gandra faleceram demasiado cedo.
            No México, em convenção da ALAFEM, em 1979, indiquei aos cubanos Juan Cesar Garcia para assessorar a reforma de seu ensino médico, e este parece ter sido seu último trabalho. Nesse encontro, representantes de outros países me perguntaram por que não indiquei o Domingos Gandra. Respondi que a ditadura brasileira não o perdoaria. A seguir Gandra fez parte da banca examinadora de meu doutorado. Propus defender uma tese sem nenhuma referencia bibliográfica, intitulada CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DA RELAÇÃO ENTRE REALIDADE DE SAÚDE E ENSINO MÉDICO (1981). O colegiado da pós-graduação duvidou que fosse possível compor uma banca que concordasse com isso e seus membros ficaram na expectativa de que a tese fosse rejeitada. Mas a banca ficou composta por Domingos Gandra, Oder José dos Santos, José Geraldo Dângelo e Carlos Ribeiro Diniz, sendo orientador Luiz de Paula Castro. Nas últimas cadeiras do auditório, excepcionalmente repleto, viam-se componentes do Serviço Nacional de Informações da universidade. Uns eram notórios e outros causaram surpresa, como um docente que era coronel-médico da polícia militar e que compareceu de uniforme militar. E essa banca, desafiando o arbítrio, não só aprovou a tese, como aplaudiu sua originalidade e a classificou de histórica.
            A última mas não a menor participação de Domingos Gandra nesta audaciosa experiência pedagógica foi participar do ensino de semiologia médica do novo currículo. Vários de nossa equipe de inovadores esperavam  que ele fosse expulso do ambiente hospitalar, por se intrometer ali, onde insistia em questionar, junto a estudantes, docentes e funcionários, aspectos antropológicos da relação médico-paciente. Foi exatamente o contrário que aconteceu. Tornou-se acatado e admirado e, mais que isso, vários professores, funcionários e estudantes pediram-lhe marcar hora para conversa em separado, na qual ele acabava sendo uma espécie de guru ou conselheiro e até terapeuta.
            O professor João Galizzi vinha sendo desafiado a escrever um manual de SEMIOLOGIA MÉDICA, que tinha tudo para ser obra magna, segundo opinião unânime. Dizía-se que seria uma espécie de continuidade fiel ao livro clássico de Francisco de Castro. Infelizmente o livro não foi finalizado. De qualquer modo, naquele ambiente de inovação, sua equipe se entusiasmou com a obra e vários chegaram a esboçar os capítulos que escolheram. Não sei se Domingos Gandra chegou a rascunhar o seu. Só sei que seria um texto verdadeiramente original, admirável e permanente.
O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais


ADELMAR CADAR
Este homem realizou algo maravilhoso em favor dos médicos
João Amílcar Salgado
            Adelmar é belorizontino e diplomado na turma de 1951 de médicos da UFMG. Além de excelente otorrinolaringologista, ele é turfista, atleticano e escritor humorístico. Em seu livro DIÁRIO DE UM MÉDICO (1998), entre outras preciosidades, há o registro da história do hipódromo de Belo Horizonte e do Clube Atlético Mineiro.
            A turma de 51 foi rica de médicos competentes: Aspásia de Oliveira Pires, Delcides de Oliveira Baumgratz, Délio Menicucci, Evandro Cunha Melo, Helênio Enéas Coutinho, João José Kingma, José Fernal Bicalho, José Monteiro Magalhães, José Rodin Peret, José Urbano Figueiredo, Milton Machado, Milton Pimenta Figueiredo, Nelson Salomé, Nívia Nohmi, Pedro Cardoso, Washington Tafuri e Wilson Mayrink. Destes, além de Adelmar, convivi de perto com Delcides, Helênio, Kingma, Fernal, José Monteiro, Peret, Salomé, Nívia, Tafuri e Mayrink, sendo que o irmão de Urbano, de nome Antônio, casou-se com minha tia Cotinha Salgado.
            Adelmar foi o terceiro presidente do Jocquey (1979-82) na sequência de gestões que sucederam ao célebre José Maria Alkimin. Curiosamente um de seus vice-diretores chamava-se Amilcare de Carolis. Colaboraram com sua administração Aécio Cunha, Camilo Teixeira da Costa, Celso Azevedo, Fábio Fonseca, Israel Pinheiro Filho e José Maria Magalhães. O hipódromo chegou a 250 cocheiras e integrou a Comissão Nacional dos Criadores do Cavalo Nacional de turfe. As instalações da vila hípica eram adequadas e muito higiênicas, inclusive piscina para os animais. Certo dia encontrei-me com o Cadar e disse que meus filhos queriam ver os cavalos de perto. Respondeu: leve-os e serão recebidos com honra: designarei um amarra-cachorro ou melhor um amarra-cavalo para ficar a manhã inteira com  suas crianças.
               Ao falar do time do Atlético, ele sentencia, medicamente: Não existe atleticano sadio: são todos doentes e incuráveis. O clube foi o primeiro da capital em 1908 (três anos antes da escola médica que diplomaria Cadar). Por essa época, o afluxo de imigrantes sírio-libaneses fez surgir o Esporte Sírio Horizontino, que teve o mérito de em 1922 iniciar o confronto interestadual, hospedando seu irmão paulista, o Sírio Paulista, para jogar com o campeão América. O goleiro dos visitantes era Athiê Jorge Cury, mais tarde presidente do Santos de Pelé. Já o presidente do Horizontino era Antônio Cadar, pai do Adelmar, que impressionou os paulistas, em banquete no Grande Hotel, quando pediu a seu amigo Pedro Aleixo para saudá-los.  Com a extinção do Horizontino, a torcida se transferiu ao Atlético, acompanhando seu principal craque, Said Paulo Arges, além dos atletas Eduardo Abras, Paulo Cury e Mauro Patrus. Said formou com Jairo de Almeida e o estudante de medicina Mário de Castro o Trio Maldito de atacantes temidos por qualquer adversário.
Famílias sírio-libanesas mineiras passam a ser identificadas com o Atlético. O sócio número um é João Salomão, primo da mãe de Cadar,  Rosinha Salum. Os Kalil, Cury, Simão, Patrus, Lasmar, Kumaira,  Hadad e outros participam da direção do clube. De minha parte, trabalhei ao lado do ortopedista Abdo Arges Kalil no hospital da previdência estadual, enquanto Aziz Abras foi sócio de Francisco Lima Filho, meu parente, e Paulo Cury foi craque universitário, ao lado de meu primo Marcly Vilela, em Alfenas. A propósito, Maurício Kalil, meu querido colega de turma e um dos melhores humoristas que conheci, me confidenciou que os Kalil são metade gente do deserto e metade descendentes de Gengis Kahnm, e que o Arnaldo Elian procede das fraldas do monte Ararat.
Este preâmbulo é para mostrar as condições que Adelmar Cadar reuniu para  dirigir, com extrema audácia, o Boletim do Centro de Estudos do Inamps. Ele se reuniu com o excelente administrador em saúde José Luiz Verçosa para discutir como bem utilizar a novíssima gráfica do então INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social). Ouviram o citado professor Arnaldo Elian e concluíram que bastava pedir ajuda ao clínico e cientista Luiz de Paula Castro.  Este, com sua equipe, cuidaria de rechear o boletim da instituição com textos de atualização médica de alta qualidade. O Luiz nos pediu as atualizações e como já as publicávamos num modesto boletim dirigido aos professores de medicina mineiros, fizemos a contraproposta de transformá-lo  em bem cuidado periódico. Os textos em inglês seriam traduzidos por estudantes de medicina pagos pela fundação Kellogg, a partir de dois periódicos: THE MEDICAL LETTER e DRUG AND THERAPEUTICS BULLETIN. Cadar, o principal responsável, disse: a indústria farmacêutica manda no governo, vai pressionar e até pedir minha demissão, mas até que enfim vamos fazer algo que contraria a mentirada de sua propaganda. Como as publicações originais eram dos EUA e da Inglaterra e a referida fundação estava envolvida, a indústria farmacêutica teve dificuldade em agir contra Cadar.
O The Medical Letter On Drugs And Therapeutics é um boletim bissemanal criado em 1958 por Arthur Kallet e Harold Aaron, ligada à União dos Consumidores nos EUA, também editado em francês e italiano. Foi por, certo tempo, traduzida ao espanhol e, graças a Adelmar Cadar, ao português. O Drug and Therapeutics Bulletin é publicado mensalmente, desde 1962, pelos especialistas do British Medical Journal. Hoje ambos estão na internete. Nosso BOLETIM DE MEDICAMENTOS E TERAPÊUTICA foi uma seleção desses dois boletins e distribuído mensalmente a todos os médicos mineiros, por meio do endereço fornecido pelo Conselho Regional de Medicina. O que a indústria farmacêutica, na ditadura, não conseguiu diretamente o novo governador Newton Cardoso, na abertura democrática, obteve, certamente por pressão dela. Em 1987 seus auxiliares nos comunicaram que a gráfica passou a seu controle. Pedimos que prosseguissem publicando o boletim sob a direção de Cadar. Disseram que, ao contrário, cada número teria de ser aprovado pela cúpula do governo estadual e Cadar seria substituído por um médico-político, para nós totalmente alheio aos mínimos aspectos científicos da medicina. Foi assim que findou o Boletim.
Houve um vão clamor dos médicos, principalmente os atuantes no interior, que já estavam dependentes das atualizações seguras, por quatro anos. Adelmar Cadar, o herói dessa notável façanha, merece as mais altas homenagens de nossa autêntica medicina, que, graças a homens tão bravos como ele, talvez subsista a tanta ignorância e a tão desrespeitoso cinismo.

O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais