ADELMAR
CADAR
Este homem realizou algo maravilhoso em favor dos médicos
João Amílcar Salgado
Adelmar
é belorizontino e diplomado na turma de 1951 de médicos da UFMG. Além de
excelente otorrinolaringologista, ele é turfista, atleticano e escritor humorístico.
Em seu livro DIÁRIO DE UM MÉDICO (1998), entre outras preciosidades, há o
registro da história do hipódromo de Belo Horizonte e do Clube Atlético
Mineiro.
A turma de 51 foi rica de médicos
competentes: Aspásia de Oliveira Pires, Delcides de Oliveira Baumgratz, Délio
Menicucci, Evandro Cunha Melo, Helênio Enéas Coutinho, João José Kingma, José
Fernal Bicalho, José Monteiro Magalhães, José Rodin Peret, José Urbano
Figueiredo, Milton Machado, Milton Pimenta Figueiredo, Nelson Salomé, Nívia
Nohmi, Pedro Cardoso, Washington Tafuri e Wilson Mayrink. Destes, além de
Adelmar, convivi de perto com Delcides, Helênio, Kingma, Fernal, José Monteiro,
Peret, Salomé, Nívia, Tafuri e Mayrink, sendo que o irmão de Urbano, de nome
Antônio, casou-se com minha tia Cotinha Salgado.
Adelmar foi o terceiro presidente do
Jocquey (1979-82) na sequência de gestões que sucederam ao célebre José Maria
Alkimin. Curiosamente um de seus vice-diretores chamava-se Amilcare de Carolis.
Colaboraram com sua administração Aécio Cunha, Camilo Teixeira da Costa, Celso
Azevedo, Fábio Fonseca, Israel Pinheiro Filho e José Maria Magalhães. O
hipódromo chegou a 250 cocheiras e integrou a Comissão Nacional dos Criadores
do Cavalo Nacional de turfe. As instalações da vila hípica eram adequadas e
muito higiênicas, inclusive piscina para os animais. Certo dia encontrei-me com
o Cadar e disse que meus filhos queriam ver os cavalos de perto. Respondeu: leve-os
e serão recebidos com honra: designarei um amarra-cachorro ou melhor um
amarra-cavalo para ficar a manhã inteira com
suas crianças.
Ao falar do time do Atlético, ele
sentencia, medicamente: Não existe atleticano sadio: são todos
doentes e incuráveis. O clube foi o primeiro da capital em 1908 (três
anos antes da escola médica que diplomaria Cadar). Por essa época, o afluxo de
imigrantes sírio-libaneses fez surgir o Esporte Sírio Horizontino, que teve o
mérito de em 1922 iniciar o confronto interestadual, hospedando seu irmão
paulista, o Sírio Paulista, para jogar com o campeão América. O goleiro dos
visitantes era Athiê Jorge Cury, mais tarde presidente do Santos de Pelé. Já o
presidente do Horizontino era Antônio Cadar, pai do Adelmar, que impressionou
os paulistas, em banquete no Grande Hotel, quando pediu a seu amigo Pedro
Aleixo para saudá-los. Com a extinção do
Horizontino, a torcida se transferiu ao Atlético, acompanhando seu principal
craque, Said Paulo Arges, além dos atletas Eduardo Abras, Paulo Cury e Mauro
Patrus. Said formou com Jairo de Almeida e o estudante de medicina Mário de
Castro o Trio Maldito de atacantes temidos por qualquer adversário.
Famílias sírio-libanesas mineiras
passam a ser identificadas com o Atlético. O sócio número um é João Salomão,
primo da mãe de Cadar, Rosinha Salum. Os
Kalil, Cury, Simão, Patrus, Lasmar, Kumaira,
Hadad e outros participam da direção do clube. De minha parte, trabalhei
ao lado do ortopedista Abdo Arges Kalil no hospital da previdência estadual,
enquanto Aziz Abras foi sócio de Francisco Lima Filho, meu parente, e Paulo
Cury foi craque universitário, ao lado de meu primo Marcly Vilela, em Alfenas. A propósito,
Maurício Kalil, meu querido colega de turma e um dos melhores humoristas que
conheci, me confidenciou que os Kalil são metade gente do deserto e metade
descendentes de Gengis Kahnm, e que o Arnaldo Elian procede das fraldas do
monte Ararat.
Este preâmbulo é para mostrar as
condições que Adelmar Cadar reuniu para
dirigir, com extrema audácia, o Boletim do Centro de Estudos do Inamps.
Ele se reuniu com o excelente administrador em saúde José Luiz
Verçosa para discutir como bem utilizar a novíssima gráfica do então INAMPS
(Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social). Ouviram o
citado professor Arnaldo Elian e concluíram que bastava pedir ajuda ao clínico
e cientista Luiz de Paula Castro. Este,
com sua equipe, cuidaria de rechear o boletim da instituição com textos de
atualização médica de alta qualidade. O Luiz nos pediu as atualizações e como
já as publicávamos num modesto boletim dirigido aos professores de medicina
mineiros, fizemos a contraproposta de transformá-lo em bem cuidado periódico. Os textos em inglês
seriam traduzidos por estudantes de medicina pagos pela fundação Kellogg, a
partir de dois periódicos: THE MEDICAL LETTER e DRUG AND THERAPEUTICS BULLETIN.
Cadar, o principal responsável, disse: a indústria farmacêutica manda no governo,
vai pressionar e até pedir minha demissão, mas até que enfim vamos fazer algo
que contraria a mentirada de sua propaganda. Como as publicações
originais eram dos EUA e da Inglaterra e a referida fundação estava envolvida,
a indústria farmacêutica teve dificuldade em agir contra Cadar.
O The Medical Letter On Drugs
And Therapeutics é um boletim bissemanal criado em 1958 por Arthur Kallet e
Harold Aaron, ligada à União dos Consumidores nos EUA, também editado em
francês e italiano. Foi por, certo tempo, traduzida ao espanhol e, graças a
Adelmar Cadar, ao português. O Drug and Therapeutics Bulletin é
publicado mensalmente, desde 1962, pelos especialistas do British Medical Journal.
Hoje ambos estão na internete. Nosso BOLETIM DE MEDICAMENTOS E TERAPÊUTICA foi
uma seleção desses dois boletins e distribuído mensalmente a todos os médicos
mineiros, por meio do endereço fornecido pelo Conselho Regional de Medicina. O
que a indústria farmacêutica, na ditadura, não conseguiu diretamente o novo
governador Newton Cardoso, na abertura democrática, obteve, certamente por
pressão dela. Em 1987 seus auxiliares nos comunicaram que a gráfica passou a
seu controle. Pedimos que prosseguissem publicando o boletim sob a direção de
Cadar. Disseram que, ao contrário, cada número teria de ser aprovado pela
cúpula do governo estadual e Cadar seria substituído por um médico-político,
para nós totalmente alheio aos mínimos aspectos científicos da medicina. Foi
assim que findou o Boletim.
Houve um vão clamor dos médicos,
principalmente os atuantes no interior, que já estavam dependentes das
atualizações seguras, por quatro anos. Adelmar Cadar, o herói dessa notável
façanha, merece as mais altas homenagens de nossa autêntica medicina, que,
graças a homens tão bravos como ele, talvez subsista a tanta ignorância e a tão
desrespeitoso cinismo.
O autor é professor
titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade
Federal de Minas Gerais